O século XX recordado
Paira um espectro sobre a Europa – o espectro de Weimar. A combinação de crise económica com desemprego galopante e punição moral imposta desde o exterior está a traduzir-se, como aconteceu na Alemanha nos anos 30, em implosão do sistema partidário, ingovernabilidade e em crise de legitimidade do regime. Para já, o espectro de Weimar parece estar apenas a ensombrar Atenas, mas há boas razões para temermos a sua capacidade de contágio.
Os paralelismos entre a situação grega de hoje e a agonia da democracia liberal nos anos 30 são demasiados para poderem ser ignorados. Quando, no espaço de dois anos, a votação combinada dos dois partidos que governaram a Grécia nas últimas décadas cai de 80% para 33%, 19% dos eleitores votam em partidos que não elegem deputados e os restantes em partidos extremistas, é sinal que estamos na presença de um colapso dos equilíbrios sociais e políticos na base do regime.
Em Weimar, desfeito o consenso entre Estado, patrões e mundo sindical, também o Governo alemão sentiu que só lhe restava impor cortes económicos e sociais brutais. As consequências são conhecidas: o desemprego em massa e a humilhação do Tratado de Versalhes revelaram que a democracia estava impreparada para lidar com a “era das catástrofes”. Na altura, a comunidade internacional assistiu com uma passividade que compara com o modo como hoje encaramos as exigências política e socialmente inviáveis que estão a ser feitas ao povo grego. Ontem como hoje, a depressão social e económica empurrou a democracia liberal para o espartilho dos radicalismos de direita e de esquerda.
Contudo, como nos recorda a história, nunca estamos face a inevitabilidades. A Grande Depressão não colocou fim às democracias liberais em todo o lado. As consequências políticas foram distintas, para dar dois exemplos, nos EUA (com o New Deal do Presidente Roosevelt) e na Suécia (com o triunfo da social-democracia como ‘casa do povo’, do primeiro-ministro Per Hansson). O que nos serve para recordar que há sempre margem de manobra política e que o modo como é utilizada está longe de ser irrelevante.
Hoje, perante a catástrofe social e as consequências políticas que eram previsíveis, resta saber se a Grécia funcionará como vacina, obrigando a mudanças na Europa que impeçam o contágio e a dissolução dos sistemas partidários como os conhecemos, ou se, pelo contrário, estamos face ao início de uma epidemia que acabará por alastrar a toda a Europa, partindo das periferias, mas atingindo também o centro. Está nas mãos dos governos europeus escolher. Até agora têm cometido demasiados erros e, pior, têm insistido na trajectória falhada que ameaça os regimes.
Estamos a viver um momento crucial para a Europa e convém recordar lições da História que não devem ser esquecidas. A primeira das quais é que “não podemos ser inocentes outra vez” e pensar que a irracionalidade e o mal absoluto não são ameaças que estão sempre ao virar da esquina.
publicado no Expresso de dia 12 de Maio
Os paralelismos entre a situação grega de hoje e a agonia da democracia liberal nos anos 30 são demasiados para poderem ser ignorados. Quando, no espaço de dois anos, a votação combinada dos dois partidos que governaram a Grécia nas últimas décadas cai de 80% para 33%, 19% dos eleitores votam em partidos que não elegem deputados e os restantes em partidos extremistas, é sinal que estamos na presença de um colapso dos equilíbrios sociais e políticos na base do regime.
Em Weimar, desfeito o consenso entre Estado, patrões e mundo sindical, também o Governo alemão sentiu que só lhe restava impor cortes económicos e sociais brutais. As consequências são conhecidas: o desemprego em massa e a humilhação do Tratado de Versalhes revelaram que a democracia estava impreparada para lidar com a “era das catástrofes”. Na altura, a comunidade internacional assistiu com uma passividade que compara com o modo como hoje encaramos as exigências política e socialmente inviáveis que estão a ser feitas ao povo grego. Ontem como hoje, a depressão social e económica empurrou a democracia liberal para o espartilho dos radicalismos de direita e de esquerda.
Contudo, como nos recorda a história, nunca estamos face a inevitabilidades. A Grande Depressão não colocou fim às democracias liberais em todo o lado. As consequências políticas foram distintas, para dar dois exemplos, nos EUA (com o New Deal do Presidente Roosevelt) e na Suécia (com o triunfo da social-democracia como ‘casa do povo’, do primeiro-ministro Per Hansson). O que nos serve para recordar que há sempre margem de manobra política e que o modo como é utilizada está longe de ser irrelevante.
Hoje, perante a catástrofe social e as consequências políticas que eram previsíveis, resta saber se a Grécia funcionará como vacina, obrigando a mudanças na Europa que impeçam o contágio e a dissolução dos sistemas partidários como os conhecemos, ou se, pelo contrário, estamos face ao início de uma epidemia que acabará por alastrar a toda a Europa, partindo das periferias, mas atingindo também o centro. Está nas mãos dos governos europeus escolher. Até agora têm cometido demasiados erros e, pior, têm insistido na trajectória falhada que ameaça os regimes.
Estamos a viver um momento crucial para a Europa e convém recordar lições da História que não devem ser esquecidas. A primeira das quais é que “não podemos ser inocentes outra vez” e pensar que a irracionalidade e o mal absoluto não são ameaças que estão sempre ao virar da esquina.
publicado no Expresso de dia 12 de Maio
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