E, de repente, nada muda
Quando,
há um par de anos, Manuela Ferreira Leite sugeriu, sobre um manto de ironia, a
suspensão temporária da democracia, a provocação gerou um enorme clamor. Hoje,
um pouco por toda a Europa, entre Governos removidos, primeiros-ministros
depostos e tranquilamente substituídos por tecnocratas e constituições violadas
perante a passividade geral, a questão que se coloca já não é apenas a
suspensão da democracia, é também a sua irrelevância.
A
Grécia é o último exemplo. Se pensarmos bem, nos últimos meses a Europa viveu
com ansiedade as eleições gregas. Era-nos dito que as escolhas dos gregos
determinariam o futuro do euro. Mas, como descobriremos rapidamente,
ultrapassada a questão da governabilidade na Grécia, nada mudará e os problemas
não só continuarão a pairar como, aliás, tenderão a agravar-se.
Este
optimismo, que nos faz crer que uma solução eleitoral na Grécia era o início do
caminho salvífico e definitivo que todos esperamos, assenta num equívoco
profundo. O problema que a Europa enfrenta não é político, na medida em que, no
essencial, não radica na incapacidade dos partidos ou dos seus dirigentes para
governarem. Pensando no caso grego, o que temos é um problema financeiro,
económico e social que não poderia deixar de se traduzir numa crise eleitoral,
agravada por uma cultura política preexistente com inclinação para a
instabilidade. Ora, como é evidente, não apenas a solução que tem sido imposta
aos gregos é, em democracia, politicamente inviável, como, é já hoje manifesto,
a Grécia sozinha não será capaz de superar a crise que enfrenta. As eleições
gregas acabarão por se revelar irrelevantes.
Tudo
isto serve também para recordar que a democracia funciona em dois sentidos.
Enquanto nos países sob resgate os eleitorados vão sendo empurrados para uma
escolha entre a rejeição das medidas de austeridade e uma crença de que a
aplicação de uma terapia de choque, um dia, dará frutos, nos restantes países o
dilema dos eleitorados é entre o aprofundar da solidariedade europeia, sem que
esta se traduza em ganhos palpáveis no imediato, e uma estratégia que protege
os seus interesses nacionais de curto prazo. Como é evidente, a escolha não é
simples e revela a descoincidência profunda que hoje existe entre os europeus,
determinada, no fundo, pelo lugar onde votam.
Sendo
a realização periódica de eleições uma das características das democracias, o
mais natural é que, em toda a Europa, assistamos ao reforço da divisão entre os
eleitorados. Uma divisão que se traduzirá num afastamento das posições
políticas, já hoje polarizadas, dos governantes europeus. A Grécia, que tem funcionado como um indicador
avançado do que vem a acontecer, deveria servir para retirarmos uma lição: as
eleições não só não vão resolver o problema europeu, como o mais provável é
acentuarem clivagens entre eleitorados, empurrando os vários governos não para
uma mudança de políticas, mas para um acentuar das estratégias que têm
prosseguido. No fundo, nada muda.
publicado no Expresso de 21 de Junho
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