segunda-feira, julho 02, 2012

E, de repente, nada muda


Quando, há um par de anos, Manuela Ferreira Leite sugeriu, sobre um manto de ironia, a suspensão temporária da democracia, a provocação gerou um enorme clamor. Hoje, um pouco por toda a Europa, entre Governos removidos, primeiros-ministros depostos e tranquilamente substituídos por tecnocratas e constituições violadas perante a passividade geral, a questão que se coloca já não é apenas a suspensão da democracia, é também a sua irrelevância.
A Grécia é o último exemplo. Se pensarmos bem, nos últimos meses a Europa viveu com ansiedade as eleições gregas. Era-nos dito que as escolhas dos gregos determinariam o futuro do euro. Mas, como descobriremos rapidamente, ultrapassada a questão da governabilidade na Grécia, nada mudará e os problemas não só continuarão a pairar como, aliás, tenderão a agravar-se.
Este optimismo, que nos faz crer que uma solução eleitoral na Grécia era o início do caminho salvífico e definitivo que todos esperamos, assenta num equívoco profundo. O problema que a Europa enfrenta não é político, na medida em que, no essencial, não radica na incapacidade dos partidos ou dos seus dirigentes para governarem. Pensando no caso grego, o que temos é um problema financeiro, económico e social que não poderia deixar de se traduzir numa crise eleitoral, agravada por uma cultura política preexistente com inclinação para a instabilidade. Ora, como é evidente, não apenas a solução que tem sido imposta aos gregos é, em democracia, politicamente inviável, como, é já hoje manifesto, a Grécia sozinha não será capaz de superar a crise que enfrenta. As eleições gregas acabarão por se revelar irrelevantes.
Tudo isto serve também para recordar que a democracia funciona em dois sentidos. Enquanto nos países sob resgate os eleitorados vão sendo empurrados para uma escolha entre a rejeição das medidas de austeridade e uma crença de que a aplicação de uma terapia de choque, um dia, dará frutos, nos restantes países o dilema dos eleitorados é entre o aprofundar da solidariedade europeia, sem que esta se traduza em ganhos palpáveis no imediato, e uma estratégia que protege os seus interesses nacionais de curto prazo. Como é evidente, a escolha não é simples e revela a descoincidência profunda que hoje existe entre os europeus, determinada, no fundo, pelo lugar onde votam.
Sendo a realização periódica de eleições uma das características das democracias, o mais natural é que, em toda a Europa, assistamos ao reforço da divisão entre os eleitorados. Uma divisão que se traduzirá num afastamento das posições políticas, já hoje polarizadas, dos governantes europeus. A Grécia, que tem funcionado como um indicador avançado do que vem a acontecer, deveria servir para retirarmos uma lição: as eleições não só não vão resolver o problema europeu, como o mais provável é acentuarem clivagens entre eleitorados, empurrando os vários governos não para uma mudança de políticas, mas para um acentuar das estratégias que têm prosseguido. No fundo, nada muda.


publicado no Expresso de 21 de Junho