O que fazer quando tudo falha?
Como
todos sabemos, há poucas coisas tão difíceis de lidar como com o nosso fracasso
individual. Demoramos a perceber que falhámos e ainda mais a reconhecer os
motivos do falhanço. Até nos reerguermos e tentarmos de novo, precisamos de nos
consciencializar que as coisas correram mal e foram diferentes do que
imaginávamos. Com a política não é diferente. Ninguém lida bem com o fracasso
das suas escolhas e, naturalmente, recusa aceitar os erros.
Se
olharmos para a história da política portuguesa dos últimos tempos ficamos com
a sensação de que assenta numa recusa: ninguém quer reconhecer o falhanço. Mais
um falhanço.
Afinal,
apenas há um ano os portugueses escolhiam esmagadoramente dois partidos que
anunciavam uma nova esperança com uma solução mirífica para os nossos problemas
colectivos, que não implicava mais sacrifícios. Depois, foi-nos apresentado um
governo enxuto, onde se destacava um ministro das Finanças com um perfil
técnico inabalável, que oferecia competência e rigor, coadjuvado por um
conjunto de personalidades com uma credibilidade pessoal à prova de bala. Para
além do mais, este governo não estava sozinho, tinha como pano de fundo da sua
acção, era-nos dito, um documento de trabalho extraordinário – o memorando de
entendimento. Um programa político que nos foi apresentado como não tendo
paralelo na nossa democracia. Em poucas semanas, meia dúzia de peritos
estrangeiros conseguiu fazer o que gerações de políticos portugueses não haviam
feito: traçar um mapa das reformas estruturais que o país aguardava há
décadas.
Como é
que é possível estarmos hoje como estamos? Os sacrifícios, ao contrário do
prometido, tornaram-se uma realidade, com cortes de pensões e salários, aumento
de impostos (confisco fiscal, para usar a expressão tantas vezes utilizada no
passado) e desemprego galopante; os casos Relvas não só transformaram os
incidentes do passado numa miragem distante, como contaminaram todo o governo e
em especial o seu irmão de percurso de poder, Passos Coelho; o governo enxuto
não dá conta do recado e o ministro competente falha todas as previsões e não
consegue controlar a execução orçamental; finalmente, a troika vai-se avaliando
a si própria e insiste que está tudo bem, para depois ser rapidamente
desmentida pela execução orçamental. Enquanto isso, à volta, na Europa, tudo
arde.
Mas uma
coisa é o falhanço de facto, outra bem diferente é colectivamente admitirmos
esse falhanço. Há, naturalmente, uma dificuldade individual em reconhecermos
que as coisas correram ao contrário do que esperávamos. Mas há uma outra
dimensão bem mais preocupante: não aceitamos o falhanço porque não sabemos como
poderia ter sido diferente e de que modo poderão as coisas mudar no futuro
imediato. Enquanto este bloqueio não for ultrapassado, continuaremos a querer
acreditar que Passos Coelho sabe o que está a fazer, que Vítor Gaspar é
competente e que a solução da troika um dia funcionará. Temos de nos agarrar a
qualquer coisa, pois, sabemos bem, lidar com as desilusões é bem mais difícil
do que com os sucessos.
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