quarta-feira, agosto 01, 2012

Um ato falhado


Quando o mundo que construiu à sua volta dá sinais de estar a ruir, o primeiro-ministro, no registo ligeiro em que se especializou, resolveu jogar a cartada da desconfiança difusa e crescente face a tudo o que cheire a política. “Que se lixem as eleições”, afirmou, depois da “porcaria na ventoinha” no debate no Estado da Nação, e imediatamente antes do memorável discurso de Cantanhede, onde, entre outras pérolas de retórica, nos avisou que saberemos onde chegar quando não nos comportarmos como baratas tontas” (sic). Um homem também é a forma como fala.
            Não menosprezemos, contudo, o potencial político da desvalorização das eleições. Os portugueses desconfiam dos políticos, os políticos não perdem uma oportunidade para darem razões para os portugueses desconfiarem deles e a crença de que há uma contradição crescente entre interesse nacional e interesses partidários vai fazendo caminho.
            Mas, o que se espera de um primeiro-ministro não é que cavalgue o funesto processo de “medina carreirização” da vida pública portuguesa. Pelo contrário. Um líder deve ser capaz de fazer pedagogia e de aproximar os interesses dos portugueses do modo como exerce o poder, bem como da visão que tem para o país. Mais, Passos Coelho, enquanto se está a lixar para as eleições, está também a passar um atestado de menoridade aos portugueses. No fundo, diz-nos que só somos capazes de votar com base num interesse pessoal de curto prazo e de natureza material, desprovido de percepção estratégica. Felizmente, os portugueses têm um bom senso que o primeiro-ministro desconhece.
            Há, em tudo isto, um lado que é explicável pela psicologia. Estamos perante um ato falhado. É natural que quem organizou a carreira movido pela conquista do poder, invariavelmente alcandorado por Miguel Relvas, precise de repetir em público que aquilo que o motiva não é ganhar eleições ou o poder pelo poder. Contra isso, contudo, continua a pairar o espectro do monumental embuste que foi a última campanha eleitoral. Convém recordar, tudo se resolvia com cortes nas gorduras do Estado, não haveriam mais sacrifícios e, no fim, se fossemos além da troika, o sol brilharia para todos nós. A mensagem que perdura é clara: “que se lixem a seriedade e Portugal, o que nós queríamos mesmo era chegar ao pote”.
            Como se não bastasse o populismo de curto-prazo, Passos Coelho aproveitou também a oportunidade para avisar que não se importaria de perder umas eleições para “salvar o país”. Uma coisa é utilizar o sentimento antipolíticos, outra, ainda assim mais preocupante, é o tom messiânico subjacente à declaração. A história ensina-nos a desconfiar de quem se propõe salvar um país e os cuidados devem ser redobrados perante alguém impreparado e que tem revelado sinais de total desorientação, num momento em que a estratégia que delineou está a falhar redondamente.
publicado no Expresso de 28 de Julho