terça-feira, setembro 04, 2012

Os filhos dos outros


Há um par de princípios que tenho como fundamentais para a educação dos meus filhos: em primeiro lugar, não desistir deles. Ter a certeza que, mesmo quando falharem, apoiá-los-ei e não aceitarei que o falhanço seja definitivo. Em segundo lugar, querer para eles sempre o melhor. Há uma ideia feita, muito propalada, que defende que são as agruras na infância que enrijecem. Não me parece que assim seja. Como ensina a escritora italiana Natalia Ginzburg num notável texto, infelizmente não traduzido para português, “Scarpe Rotte” (Sapatos Rotos), sobre a sua experiência de mãe na clandestinidade durante o fascismo, uma infância protegida dá-nos a força que mais tarde vamos precisar para enfrentar as dificuldades.
Se acredito que estes princípios devem guiar a educação dos meus filhos, posso desejar algo de diferente para os filhos dos outros? Claramente, não. Foi disso que me lembrei quando confrontado com a proposta de Nuno Crato de tornar o ensino profissional um recurso para os maus alunos do ensino básico. É o género de solução que há quem deseje para os filhos dos outros, mas que é incapaz de desejar para os seus próprios filhos.
Para além de remeter para um modelo de ensino dual que caracterizou o salazarismo, com um insucesso que nos continua a perseguir, a proposta assenta também num equívoco muito disseminado e que é reproduzido acriticamente – a ideia de que com a transição para a democracia se acabou com o ensino profissional em Portugal. Esta falsidade confunde fim das escolas industriais e comerciais – uma boa decisão que começou a ser germinada pelo Governo de Marcelo Caetano – com transformação do ensino técnico.
Em democracia, com nomes diferentes, é verdade, e com excesso de alterações de modelo, foi feito um enorme investimento no ensino vocacional. Hoje, estabilizado o sistema, a percentagem de alunos que frequenta a via profissional é elevada (cerca de 40% dos alunos do secundário) e esta via profissionalizante não tem já a imagem de parente pobre da escolaridade.
A proposta do Governo, para além de tornar muito precoce a possibilidade de optar por uma via profissional (em contra-tendência com todos os países com quem comparamos), tem um duplo efeito negativo. Ao mesmo tempo que desvaloriza o ensino profissional (passa a ser de novo uma opção para as crianças que “não servem para escola”), significa, de facto, que o sistema educativo desiste de combater a chaga social que é o insucesso escolar.
Numa só medida, o país desistiria de continuar a lutar contra o insucesso escolar com mais tempo de trabalho, maior acompanhamento em disciplinas nucleares como o português, a matemática e o inglês (ou as crianças da via profissional não teriam competências básicas nestas disciplinas, que são precisamente as que provocam maior insucesso escolar?) e tornaria o ensino profissional uma opção fácil, certificando “talhantes e canalizadores” sem competências básicas. No fundo, o país não só passaria a desistir dos filhos dos outros, como lhes reservaria uma segunda escolha.  
publicado no Expresso de 1 de Setembro