terça-feira, setembro 04, 2012

À altura das circunstâncias?


Esta semana assistimos a uma espécie de compilação dos melhores momentos dos discursos de Passos Coelho. No Pontal, o primeiro-ministro brindou-nos com o seu estilo circular, confuso e repleto de mensagens que visam infantilizar a audiência. Há, contudo, um lado trágico naquele discurso, feito naquele dia preciso.
No momento em que ficámos a saber que a recessão se aprofundou no 3º trimestre e que o desemprego bateu mais um recorde e numa altura em que já se sabe que a estratégia de austeridade expansionista está a ser um fracasso orçamental colossal, o primeiro-ministro afirmou que “no que é importante – o défice e a dívida – não falhámos”. A situação económica e social é trágica, mas convenhamos que é ainda mais assustadora a incompreensão que o primeiro-ministro parece dedicar à realidade que o envolve. A afirmação de que o ano de 2013 será “um ano de inversão” é a todos os títulos aterradora.
Em primeiro lugar, revela que os políticos não aprendem, nem sequer com os erros dos seus antecessores. A capacidade de mobilizar o país depende muito mais de um discurso realista e de uma estratégia coerente do que de um otimismo desligado do mundo e de um voluntarismo que leva a concluir que quando as coisas correm mal a culpa não é das opções tomadas, mas sim da realidade. Em segundo lugar que Passos Coelho ainda não compreendeu a natureza da crise (o que explica a leitura moral que faz da evolução da dívida e défice e o modo como se abstém sistematicamente de se referir às armadilhas da zona euro), pelo que insiste em soluções que não estão a funcionar e que não poderão funcionar, muito menos num contexto de degradação generalizada da envolvente externa.
É assustador que, no momento em que é preciso realizar um esforço de austeridade adicional de seis mil milhões de euros em 2013 (numa leitura conservadora, o resultado dos dois milhões de euros de desvio face ao orçamentado em 2012, os dois milhões de euros correspondentes aos cortes de subsídios e pensões irrepetíveis e os dois milhões correspondentes à diminuição do valor do défice em 1.5 p.p. de 2012 para 2013, a que estamos obrigados), Passos Coelho se dedique a uma longa digressão sobre a ‘regra de ouro’ (que a Espanha consagrou com o insucesso conhecido) e que, perante a espiral recessiva que vivemos, se limite a dizer que vamos ultrapassar a crise “custe o que custar”.
Podemos sentir-nos confortáveis quando a Europa enfrenta uma convulsão política profunda em torno do papel do Banco Central Europeu com um primeiro-ministro que não percebe o que se está a passar ou, mais grave, finge que nada de relevante está a ocorrer e o que importa é fixarmo-nos no nosso “regabofe” doméstico como forma de iludir um brutal retrocesso civilizacional?
Vivemos um momento em que precisávamos de um outro discurso e de outra política, nomeadamente no contexto europeu. Mas a sensação com que se fica, uma vez mais, e depois do Pontal, é bem mais preocupante: precisávamos de políticos à altura das circunstâncias que vivemos. Infelizmente, estamos bem longe de os ter.
publicado no Expresso de 18 de Agosto