À altura das circunstâncias?
Esta
semana assistimos a uma espécie de compilação dos melhores momentos dos
discursos de Passos Coelho. No Pontal, o primeiro-ministro brindou-nos com o
seu estilo circular, confuso e repleto de mensagens que visam infantilizar a
audiência. Há, contudo, um lado trágico naquele discurso, feito naquele dia
preciso.
No
momento em que ficámos a saber que a recessão se aprofundou no 3º trimestre e
que o desemprego bateu mais um recorde e numa altura em que já se sabe que a
estratégia de austeridade expansionista está a ser um fracasso orçamental
colossal, o primeiro-ministro afirmou que “no que é importante – o défice e a
dívida – não falhámos”. A situação económica e social é trágica, mas convenhamos
que é ainda mais assustadora a incompreensão que o primeiro-ministro parece
dedicar à realidade que o envolve. A afirmação de que o ano de 2013 será “um
ano de inversão” é a todos os títulos aterradora.
Em
primeiro lugar, revela que os políticos não aprendem, nem sequer com os erros
dos seus antecessores. A capacidade de mobilizar o país depende muito mais de
um discurso realista e de uma estratégia coerente do que de um otimismo
desligado do mundo e de um voluntarismo que leva a concluir que quando as
coisas correm mal a culpa não é das opções tomadas, mas sim da realidade. Em
segundo lugar que Passos Coelho ainda não compreendeu a natureza da crise (o
que explica a leitura moral que faz da evolução da dívida e défice e o modo
como se abstém sistematicamente de se referir às armadilhas da zona euro), pelo
que insiste em soluções que não estão a funcionar e que não poderão funcionar,
muito menos num contexto de degradação generalizada da envolvente externa.
É
assustador que, no momento em que é preciso realizar um esforço de austeridade
adicional de seis mil milhões de euros em 2013 (numa leitura conservadora, o
resultado dos dois milhões de euros de desvio face ao orçamentado em 2012, os
dois milhões de euros correspondentes aos cortes de subsídios e pensões
irrepetíveis e os dois milhões correspondentes à diminuição do valor do défice em
1.5 p.p. de 2012 para 2013, a que estamos obrigados), Passos Coelho se dedique
a uma longa digressão sobre a ‘regra de ouro’ (que a Espanha consagrou com o
insucesso conhecido) e que, perante a espiral recessiva que vivemos, se limite
a dizer que vamos ultrapassar a crise “custe o que custar”.
Podemos
sentir-nos confortáveis quando a Europa enfrenta uma convulsão política
profunda em torno do papel do Banco Central Europeu com um primeiro-ministro
que não percebe o que se está a passar ou, mais grave, finge que nada de
relevante está a ocorrer e o que importa é fixarmo-nos no nosso “regabofe”
doméstico como forma de iludir um brutal retrocesso civilizacional?
Vivemos
um momento em que precisávamos de um outro discurso e de outra política,
nomeadamente no contexto europeu. Mas a sensação com que se fica, uma vez mais,
e depois do Pontal, é bem mais preocupante: precisávamos de políticos à altura
das circunstâncias que vivemos. Infelizmente, estamos bem longe de os ter.
publicado no Expresso de 18 de Agosto
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