terça-feira, setembro 04, 2012

O plágio do orangotango


Um dos traços que distingue as nossas políticas públicas é a instabilidade. Pagamos um preço elevado por isso. Ao longo das últimas décadas foi invariavelmente assim: mudou o Governo, mudaram as políticas e, pior, mudou o ministro dentro do mesmo Governo e as políticas voltaram a mudar. As continuidades foram poucas e a capacidade de avaliar e aprofundar o que funcionou tendeu a ser escassa. Os resultados estão à vista. Contudo, no que é um paradoxo também bem português, esta propensão para fazer tábua rasa das políticas preexistentes coexiste com uma outra tendência, a que chamaria “baralhar e voltar a dar”.
Na oposição um partido critica uma determinada política; quando chega ao Governo continua a fustigar o seu antecessor, para logo apresentar uma solução inovadora que, pretensamente, vai romper com o legado e responder aos erros cometidos. Depois, analisada com atenção a solução vendida como nova, rapidamente se percebe que, afinal, de novo tem pouco: é apenas a mesma medida com novas roupagens e envolvida por outro discurso. Repare-se nestes exemplos recentes.
Quando estava na oposição, o CDS apontou todas as baterias ao rendimento mínimo. Tratava-se de um subsídio à preguiça e uma prestação que alimentava vícios, era-nos dito. Uma vez no Governo, logo se apressou a reformar a medida, garantindo que o novo regime ia garantir a reinserção social dos beneficiários. Ora, o que é que o Governo anunciou? No essencial, que os beneficiários eram obrigados a aceitar trabalho ou formação profissional, um aspecto que faz parte do código genético da medida tal como existe desde 1996.
Em 2005, quando se iniciou o plano que levou ao encerramento de escolas com poucos alunos, o PSD não se inibiu de criticar com veemência a iniciativa. Uma vez chegado ao poder, Nuno Crato, enquanto, de facto, avalizava o fecho de mais duas centenas de escolas, não se coibia de distinguir este processo dos anteriores. Nas palavras do próprio, “há encerramentos de escolas e encerramentos de escolas”. Como se vê, uma mudança profunda.
O anterior Governo atribuiu uma remuneração às centrais eléctricas por estarem disponíveis em permanência para produzir energia. A opção foi muito criticada e oferecida como exemplo das rendas excessivas no sector das energias, vulgo regabofe. Álvaro Santos Pereira, uma vez ministro, apressou-se a aprovar uma portaria a revogar os incentivos. Passados três meses, o mesmo ministro aprovou uma nova portaria, desta feita ressuscitando os incentivos.
Em “A Rebelião das Massas”, o filósofo Ortega y Gasset defendia que o que distingue o homem do animal é a capacidade de memória. Neste sentido escreveu que “romper a continuidade com o passado é querer começar de novo, é aspirar a descer e plagiar o orangotango.” A falta de memória que caracteriza as políticas portuguesas combinada com a vontade de começar tudo de novo, é não só uma forma de plagiar o orangotango como ajuda a compreender a falência das nossas políticas.
publicado no Expresso de 25 de Agosto