O plágio do orangotango
Um
dos traços que distingue as nossas políticas públicas é a instabilidade.
Pagamos um preço elevado por isso. Ao longo das últimas décadas foi
invariavelmente assim: mudou o Governo, mudaram as políticas e, pior, mudou o ministro
dentro do mesmo Governo e as políticas voltaram a mudar. As continuidades foram
poucas e a capacidade de avaliar e aprofundar o que funcionou tendeu a ser
escassa. Os resultados estão à vista. Contudo, no que é um paradoxo também bem
português, esta propensão para fazer tábua rasa das políticas preexistentes
coexiste com uma outra tendência, a que chamaria “baralhar e voltar a dar”.
Na
oposição um partido critica uma determinada política; quando chega ao Governo continua
a fustigar o seu antecessor, para logo apresentar uma solução inovadora que, pretensamente,
vai romper com o legado e responder aos erros cometidos. Depois, analisada com
atenção a solução vendida como nova, rapidamente se percebe que, afinal, de
novo tem pouco: é apenas a mesma medida com novas roupagens e envolvida por outro
discurso. Repare-se nestes exemplos recentes.
Quando
estava na oposição, o CDS apontou todas as baterias ao rendimento mínimo.
Tratava-se de um subsídio à preguiça e uma prestação que alimentava vícios,
era-nos dito. Uma vez no Governo, logo se apressou a reformar a medida,
garantindo que o novo regime ia garantir a reinserção social dos beneficiários.
Ora, o que é que o Governo anunciou? No essencial, que os beneficiários eram
obrigados a aceitar trabalho ou formação profissional, um aspecto que faz parte
do código genético da medida tal como existe desde 1996.
Em
2005, quando se iniciou o plano que levou ao encerramento de escolas com poucos
alunos, o PSD não se inibiu de criticar com veemência a iniciativa. Uma vez
chegado ao poder, Nuno Crato, enquanto, de facto, avalizava o fecho de mais
duas centenas de escolas, não se coibia de distinguir este processo dos
anteriores. Nas palavras do próprio, “há encerramentos
de escolas e encerramentos de escolas”. Como se vê, uma mudança profunda.
O
anterior Governo atribuiu uma remuneração às centrais eléctricas por estarem
disponíveis em permanência para produzir energia. A opção foi muito criticada e
oferecida como exemplo das rendas excessivas no sector das energias, vulgo
regabofe. Álvaro Santos Pereira, uma vez ministro, apressou-se a aprovar uma
portaria a revogar os incentivos. Passados três meses, o mesmo ministro aprovou
uma nova portaria, desta feita ressuscitando os incentivos.
Em “A Rebelião das Massas”, o
filósofo Ortega y Gasset defendia que o que distingue o homem do animal é a
capacidade de memória. Neste sentido escreveu que “romper a continuidade
com o passado é querer começar de novo, é aspirar a descer e plagiar o
orangotango.” A falta de memória que caracteriza as
políticas portuguesas combinada com a vontade de começar tudo de novo, é não só
uma forma de plagiar o orangotango como ajuda a compreender a falência das
nossas políticas.
publicado no Expresso de 25 de Agosto
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