O poder na rua
A
política está cheia de ideias que tendo um fascínio inicial acabam por ter
custos enormes no médio prazo. A banalização simbólica do lugar de
primeiro-ministro é uma delas. À primeira vista, termos um primeiro-ministro
que passa férias numa praia popular, como se permanecesse um português comum,
ou que tem uma página no Facebook, onde continua a ser o Pedro, pai e amigo,
sugere uma dessacralização do poder, aproximando quem governa de quem é
governado. Numa altura em que os políticos são vistos como gente não
frequentável e o exercício do poder é olhado com desconfiança e percepcionado,
no essencial, como uma oportunidade para se tratar da própria vida e da dos
próximos, a ideia parece ter potencial.
Passos
Coelho resolveu explorá-la, com a atitude temerária e pouca reflectida que
caracteriza todas as suas opções. Como se sabe, a audácia anda frequentemente
de braço dado com a insensatez. Numa altura em que a situação económica das
famílias portuguesas se agudizava, o primeiro-ministro não hesitou em encenar
umas idas à praia, devidamente televisionadas, no meio dos portugueses comuns;
no dia em que anunciou as medidas mais brutais que conhecemos nas últimas décadas,
achou por bem ir distender cantarolando temas populares; no dia seguinte,
suspendeu o seu mandato para se justificar, enquanto Pedro, no Facebook. Ora o
que é que é que aconteceu perante esta estratégia de dessacralização do poder?
O
primeiro-ministro estabeleceu uma relação com os portugueses sem distância e onde
os mecanismos de mediação no exercício do poder foram aliviados. Não se deu ao
respeito e, à primeira oportunidade, os portugueses responderam-lhe no mesmo
tom. Procurou fazer assentar a sua legitimidade numa popularidade assente na
rua, numa relação “tu cá, tu lá” com os portugueses, apresentando-se como o
homem banal que nunca pode ser enquanto é primeiro-ministro e o país respondeu-lhe
na mesma moeda. Perante um justificado descontentamento, os portugueses saíram em
massa à rua, ao mesmo tempo que perdiam o respeito de forma irreversível ao
chefe do Governo. Pelo caminho, acentuou-se a degradação institucional, que
segue a um ritmo imparável.
Chegados
a este ponto, quando a situação económica se deteriora e o Governo está preso
nas armadilhas que colocou a si mesmo (à cabeça, a ideia peregrina de “ir além
da Troika”), todos os cenários apontam para o fim político da coligação
Passos/Portas: se o Governo inverter a trajetória, empurrado pela pressão da
rua, são dados incentivos objectivos para que a contestação social cresça; se
tudo continuar na mesma, o descontentamento continuará a crescer.
É-nos
dito, com razão, que a democracia radica numa legitimidade formal e não pode
cair na rua. O drama é precisamente esse: o primeiro-ministro foi à procura da
rua e, no Sábado passado, esta regressou a galope. Agora, já nada há a fazer. É
apenas uma questão de tempo. No fundo, “a rua” sabe que este governo acabou, só
não sabe quando é que vai ser removido.
publicado no Expresso de 22 de Setembro
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