A terapia das cabeçadas na parede
Imagine
que tem uma enxaqueca bastante intensa, consulta um economista e este dá-lhe
uma conselho: “bata com a cabeça na parede”. Obedientemente, dirige-se a um
muro que encontra ao virar da esquina e é isso que faz. Não apenas vai sentir
dores como a enxaqueca tenderá a intensificar-se. Ainda assim, porque confia no
seu conselheiro, regressa para mais uma consulta. O economista amigo, depois de
olhar para uma folha de excel, conclui que o problema é seu – não bateu com a
cabeça com a intensidade adequada (ou seja, colocou pouco empenho na terapia) –
e aconselha-o a insistir no tratamento, mas desta feita com mais vigor: tem de
bater com a cabeça na parede com toda a força que for capaz. Chegados aqui, talvez
convenha não ser economista para antecipar os resultados. Começará a sangrar da
testa, a enxaqueca tornar-se-á insuportável e, caso tenha sido cumpridor, até o
muro pode ter ficado ligeiramente danificado. É assim que o economista Bill
Mitchell, no seu blog, resume as intervenções seguidas pelo FMI nos últimos
anos. Hoje, já não é preciso ser grego para se estar familiarizado com a
terapia das “cabeçadas na parede”.
Esta semana, contudo, o economista
que o aconselhou (no caso, o FMI), assim como quem não quer a coisa, veio
reconhecer que a terapia tinha um pequeno problema. Como o paciente já havia
intuído, os pressupostos em que se baseava afinal estavam errados. Senão,
vejamos. A crer no método, por cada euro poupado com o ajustamento orçamental,
o efeito recessivo no PIB deveria ser de meio euro. No fundo, por cada vez que
batia na parede (uma unidade em cabeçadas), a sua dor aumentaria em meia
unidade em cabeçadas.
O que nos dizem agora os economistas
do FMI? Em primeiro lugar que subestimaram os efeitos multiplicadores
orçamentais de curto prazo (a enxaqueca vai ficar a pairar durante mais tempo)
e que o efeito recessivo é bem maior do que o esperado, o PIB variará entre 0,9
a 1,7 euros (em lugar do meio euro avançado). Afinal, por cada cabeçada dada a
sua dor intensificar-se-á.
Estamos perante o reconhecimento de
que o método das cabeçadas na parede não funciona para resolver enxaquecas, ou
seja, que há um problema de raiz com os programas de ajustamento. Não fiquemos,
contudo, muito otimistas em relação a possíveis mudanças de estratégia. Há um
par de anos, o próprio “departamento independente de
avaliação” do FMI já havia reconhecido que a organização tinha um sério
problema de “group thinking” – ninguém questionava as virtudes das “cabeçadas
na parede” e os ajustamentos eram construídos a partir desse pressuposto – e
não decorreu daí nenhuma consequência.
Agora, quando as
contas do próprio FMI expõem o erro brutal que são estes programas de
ajustamento, temos de nos colocar uma questão: vamos continuar a bater com a
cabeça na parede, seguindo as sábias instruções da troika e dos seus acólitos
nacionais (os
Gaspares, os Moedas e os Borges, para nomear apenas alguns), ou, para tratarmos
a nossa enorme enxaqueca, vamos ajudar quem nos aconselha a desenvolver uma
terapia que faça sentido e seja eficaz?
Publicado
no Expresso de 13 de Outubro
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