segunda-feira, novembro 19, 2012

De caras


Querem saber o que é um debate estragado à partida? Olhem para aquele que tem sido anunciado sobre as funções do Estado. Com os atuais protagonistas políticos, é impossível termos uma discussão que é bem necessária.
Convém não esquecer como tudo começou. Este primeiro-ministro alcandorou-se ao poder afirmando que o desequilíbrio das contas públicas não implicava mais sacrifícios para os portugueses, pois tudo se resolvia cortando nas gorduras do Estado. Nunca saberemos qual foi a intenção da estratégia. Mas ou estávamos perante um caso de pura ignorância ou de demagogia desbragada que não olhou a fins para ganhar eleições. Independentemente da conclusão, as consequências são evidentes. Uma vez no poder, a margem de manobra de Passos Coelho estaria irremediavelmente comprometida – quando fosse necessário, nenhum português lhe reconheceria legitimidade para ser protagonista de um debate sério sobre funções do Estado e cortes na despesa. Para princípio de conversa, a estratégia de Passos Coelho não foi má, foi péssima.
Chegados aqui, os contributos do Governo continuam a não ser os melhores. Não apenas aguardamos um mea culpa face ao embuste da campanha, como, no mínimo, era necessário que se arrepiasse caminho perante o desastre da estratégia orçamental dos últimos dois anos. Era a única forma de se iniciar o debate alargado e politicamente sustentável de que necessitamos. Em lugar disso, o Governo finge que não teve nada a ver com a conversa sobre as gorduras do Estado, assobia para o ar perante o fracasso da execução orçamental e omite o que de facto se passou com a 5ª avaliação da troika.
Mais grave, a pairar por cima de tudo isto continua a mesma incompreensão do Executivo em relação às exigências éticas associadas à austeridade. Ninguém tinha dúvidas que o que nos esperava era muito difícil, mas, também, um mínimo de bom senso bastava para se perceber que todos os cuidados eram poucos para que a aplicação do memorando fosse politicamente exequível. E também aqui o Governo deitou tudo a perder, delapidando o capital de que agora necessita, desde logo para garantir a sua sobrevivência. Na última edição do Expresso, uma fonte governamental afirmava, com uma ligeireza chocante, de caras, podemos cortar 50 mil funcionários públicos”. Ou seja, para este Governo, tudo se resolve, de caras, acrescentando desempregados aos desempregados, como se se estivessem a somar parcelas abstractas numa folha de cálculo.
Esta semana, enquanto acompanhava as eleições norte-americanas, regressei ao impressionante memorial de Franklin D. Roosevelt. Ao percorrer, entre a pedra austera, as presidências de FDR, reencontrei uma frase lapidar: “nenhum país, por mais rico, pode permitir-se desperdiçar os seus recursos humanos. A desmoralização provocada pelo desemprego em massa é a nossa maior extravagância. Moralmente, é a maior ameaça à nossa ordem social”.
De caras que esta era uma frase que devia ser afixada nos gabinetes de todos os membros do Governo. Talvez depois fosse possível iniciar uma conversa.
publicado no Expresso de 10 de Novembro