sábado, novembro 10, 2012

Que fazer quando tudo falha?


Há uma lei de ferro da política portuguesa. Quando colocada perante a questão de saber o que fazer quando tudo falha, a direita faz invariavelmente o mesmo – regressa aos clássicos. Entre os clássicos destaca-se a revisão da Constituição. Deste feita, foi usado um eufemismo, “refundar”, mas o sentido é o mesmo.
Convenhamos que é estranho que o mesmo primeiro-ministro que começou por fazer apelos lancinantes para que a troika nos viesse salvar, que depois afirmou que o programa da troika era o do PSD e, não contente, se ofereceu mesmo para ir além do memorando, enquanto se foi recusando liminarmente a renegociar o acordado, queira, um ano e meio depois, começar de novo, reclamando uma refundação.
A explicação talvez seja singela: o Governo falhou nas opções de fundo e no processo político e não lhe ocorreu nada melhor do que lançar uma cortina de fumo sobre o seu próprio falhanço.
            O falhanço nas opções é por demais evidente. Só isso pode explicar que tenhamos tido um debate sobre o Orçamento para 2013 que passou completamente ao lado da execução de 2012 e que pouco nos disse sobre a verdadeira efabulação que é a proposta apresentada – aliás acompanhada por um retificativo (o plano b de cortes na despesa). Não menos surpreendente é a “refundação” tirada da cartola nas jornadas parlamentares por Passos Coelho.
No último ano e meio, a estratégia do Governo passou por afastar sucessivamente parceiros: primeiro, foi afastado o PS, que começou por revelar uma disponibilidade intrépida para consensualizar soluções; depois, foi sendo afastado o Presidente, veja-se a dissonância em torno das políticas europeias, e a UGT; e, pasme-se, entretanto, até o CDS foi posto em cheque.
Não só o Governo não cuidou de cultivar a negociação e a consensualização mínima de soluções, como optou por insistir numa estratégia movida por fanatismo ideológico, implementada através de folhas de excel. Agora, agindo como se tivesse acabado de tomar posse, Passos Coelho vem pedir o apoio que nunca buscou e ainda ameaça com um segundo resgate caso esse auxílio não chegue. Já deixámos de estar face a um problema político para passarmos a estar confrontados com uma chico-espertice.
Este falhanço é, contudo, o melhor dos pretextos para o Governo fazer o que sempre ambicionou. Uma opção de fundo estapafúrdia – ir além da troika –, implementada por ministros incompetentes, só nos poderia conduzir ao beco sem saída onde nos encontramos. Chegados aqui, revelada a incapacidade do Executivo e obrigado este a promover um enorme aumento de impostos, o contexto para desmantelar o Estado social está criado.
Se mais provas fossem necessárias, esta semana ficou demonstrado que o essencial da agenda do Governo nunca foi disciplinar as contas públicas ou corrigir a trajetória da dívida (dois objectivos necessários e não concretizados), mas, sim, dar cabo dos equilíbrios sociais, económicos e políticos, sempre ténues, em que assenta a democracia portuguesa.
publicado no Expresso de 3 de Novembro.