Que fazer quando tudo falha?
Há uma lei de ferro da
política portuguesa. Quando colocada perante a questão de saber o que fazer
quando tudo falha, a direita faz invariavelmente o mesmo – regressa aos
clássicos. Entre os clássicos destaca-se a revisão da Constituição. Deste
feita, foi usado um eufemismo, “refundar”, mas o sentido é o mesmo.
Convenhamos que é estranho
que o mesmo primeiro-ministro que começou por fazer apelos lancinantes para que
a troika nos viesse salvar, que
depois afirmou que o programa da troika era
o do PSD e, não contente, se ofereceu mesmo para ir além do memorando, enquanto
se foi recusando liminarmente a renegociar o acordado, queira, um ano e meio
depois, começar de novo, reclamando uma refundação.
A explicação talvez seja
singela: o Governo falhou nas opções de fundo e no processo político e não lhe
ocorreu nada melhor do que lançar uma cortina de fumo sobre o seu próprio
falhanço.
O
falhanço nas opções é por demais evidente. Só isso pode explicar que tenhamos
tido um debate sobre o Orçamento para 2013 que passou completamente ao lado da
execução de 2012 e que pouco nos disse sobre a verdadeira efabulação que é a
proposta apresentada – aliás acompanhada por um retificativo (o plano b de
cortes na despesa). Não menos surpreendente é a “refundação” tirada da cartola
nas jornadas parlamentares por Passos Coelho.
No último ano e meio, a
estratégia do Governo passou por afastar sucessivamente parceiros: primeiro,
foi afastado o PS, que começou por revelar uma disponibilidade intrépida para
consensualizar soluções; depois, foi sendo afastado o Presidente, veja-se a
dissonância em torno das políticas europeias, e a UGT; e, pasme-se, entretanto,
até o CDS foi posto em cheque.
Não só o Governo não cuidou
de cultivar a negociação e a consensualização mínima de soluções, como optou
por insistir numa estratégia movida por fanatismo ideológico, implementada
através de folhas de excel. Agora, agindo como se tivesse acabado de tomar
posse, Passos Coelho vem pedir o apoio que nunca buscou e ainda ameaça com um
segundo resgate caso esse auxílio não chegue. Já deixámos de estar face a um
problema político para passarmos a estar confrontados com uma chico-espertice.
Este falhanço é, contudo, o
melhor dos pretextos para o Governo fazer o que sempre ambicionou. Uma opção de
fundo estapafúrdia – ir além da troika
–, implementada por ministros incompetentes, só nos poderia conduzir ao beco
sem saída onde nos encontramos. Chegados aqui, revelada a incapacidade do Executivo
e obrigado este a promover um enorme aumento de impostos, o contexto para
desmantelar o Estado social está criado.
Se mais provas fossem
necessárias, esta semana ficou demonstrado que o essencial da agenda do Governo
nunca foi disciplinar as contas públicas ou corrigir a trajetória da dívida
(dois objectivos necessários e não concretizados), mas, sim, dar cabo dos
equilíbrios sociais, económicos e políticos, sempre ténues, em que assenta a
democracia portuguesa.
publicado no Expresso de 3 de Novembro.
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