Uma Questão de Endogamia
A cultura de facilitismo uma
vez instalada parece não conhecer limites. Só assim se explica que as
avaliações da troika se mantenham
positivas. É um facto que a troika,
com o FMI à cabeça, apresenta como cartão de visita um sólido histórico de
fracasso na aplicação de programas como o português. Contudo, a incapacidade de
reconhecer os seus próprios falhanços não é suficiente.
Mesmo quando quase tudo está
a correr mal é preciso fazer crer que está tudo a correr bem. No essencial, por
cálculo político imediato. A troika está a avaliar-se a si própria e, após o
falhanço da Grécia, precisa, como de pão para a boca, de montar um cordão
sanitário que proteja Portugal. O raciocínio é simples: a Grécia está a falhar
porque o Governo não se empenha o suficiente, a administração não funciona e há
muita contestação social. Se assim é, como seria possível explicar que em
Portugal o programa também falhasse com um Governo sem reservas em relação à
estratégia e disposto a cumpri-la “custe o que custar”, com uma burocracia mais
ágil e com um clima social bem mais tranquilo?
É neste contexto que deve
ser lida a entrevista do chefe de missão do FMI, Abebe Selassie ao Dinheiro
Vivo. Claramente entusiasmado pela possibilidade de dar entrevistas como se
fosse membro de um governo, o técnico do FMI alarga-se em várias considerações
políticas sobre Portugal. A primeira surpresa é o registo de dissonância
cognitiva em que vive o FMI: de um lado, a directora-geral a criticar a lógica
de austeridade que está a ser seguida nos programas de assistência; de outro,
os técnicos no terreno a assumirem o papel de fundamentalistas, ignorando os
sinais enviados pela realidade.
Ainda assim, o momento mais
enternecedor da entrevista é quando Selassie nos revela que o ministro Vítor
Gaspar é “impressionante”. A afirmação não poderia ser mais verdadeira. Mas
conviria acrescentar que Vítor Gaspar é também perigoso. A sua estratégia de
“frontloading”, uma opção que ficará para os anais das catástrofes políticas em
Portugal, levou a que 9 mil milhões de austeridade em 2012 se traduzissem num
ajustamento orçamental inferior a 1% do PIB. De facto, são resultados
impressionantes.
Mas como “os bons espíritos se
encontram sempre”, esta semana o Financial Times, no seu ranking de ministros
das finanças europeus, colocou o nosso impressionante ministro num honroso 10º
lugar. Estamos perante um caso evidente do que em biologia se chama “endogamia”,
reprodução entre indivíduos geneticamente semelhantes. Aqueles que escolhem são
intelectualmente próximos dos escolhidos e os rankings limitam-se a reproduzir
a conformidade com a norma dominante. Mas como é sabido, estes mecanismos de
consanguinidade tendem a produzir efeitos negativos: entre eles, a diminuição
das qualidades genéticas da população. O que tem consequências – quando mais
precisávamos de capacidade crítica face a imposições absurdas, assistimos a um
reforço sistemático do pensamento de grupo, traduzido em avaliações positivas.
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