quinta-feira, dezembro 06, 2012

Uma Questão de Endogamia


A cultura de facilitismo uma vez instalada parece não conhecer limites. Só assim se explica que as avaliações da troika se mantenham positivas. É um facto que a troika, com o FMI à cabeça, apresenta como cartão de visita um sólido histórico de fracasso na aplicação de programas como o português. Contudo, a incapacidade de reconhecer os seus próprios falhanços não é suficiente.
Mesmo quando quase tudo está a correr mal é preciso fazer crer que está tudo a correr bem. No essencial, por cálculo político imediato. A troika está a avaliar-se a si própria e, após o falhanço da Grécia, precisa, como de pão para a boca, de montar um cordão sanitário que proteja Portugal. O raciocínio é simples: a Grécia está a falhar porque o Governo não se empenha o suficiente, a administração não funciona e há muita contestação social. Se assim é, como seria possível explicar que em Portugal o programa também falhasse com um Governo sem reservas em relação à estratégia e disposto a cumpri-la “custe o que custar”, com uma burocracia mais ágil e com um clima social bem mais tranquilo?
É neste contexto que deve ser lida a entrevista do chefe de missão do FMI, Abebe Selassie ao Dinheiro Vivo. Claramente entusiasmado pela possibilidade de dar entrevistas como se fosse membro de um governo, o técnico do FMI alarga-se em várias considerações políticas sobre Portugal. A primeira surpresa é o registo de dissonância cognitiva em que vive o FMI: de um lado, a directora-geral a criticar a lógica de austeridade que está a ser seguida nos programas de assistência; de outro, os técnicos no terreno a assumirem o papel de fundamentalistas, ignorando os sinais enviados pela realidade.
Ainda assim, o momento mais enternecedor da entrevista é quando Selassie nos revela que o ministro Vítor Gaspar é “impressionante”. A afirmação não poderia ser mais verdadeira. Mas conviria acrescentar que Vítor Gaspar é também perigoso. A sua estratégia de “frontloading”, uma opção que ficará para os anais das catástrofes políticas em Portugal, levou a que 9 mil milhões de austeridade em 2012 se traduzissem num ajustamento orçamental inferior a 1% do PIB. De facto, são resultados impressionantes.
Mas como “os bons espíritos se encontram sempre”, esta semana o Financial Times, no seu ranking de ministros das finanças europeus, colocou o nosso impressionante ministro num honroso 10º lugar. Estamos perante um caso evidente do que em biologia se chama “endogamia”, reprodução entre indivíduos geneticamente semelhantes. Aqueles que escolhem são intelectualmente próximos dos escolhidos e os rankings limitam-se a reproduzir a conformidade com a norma dominante. Mas como é sabido, estes mecanismos de consanguinidade tendem a produzir efeitos negativos: entre eles, a diminuição das qualidades genéticas da população. O que tem consequências – quando mais precisávamos de capacidade crítica face a imposições absurdas, assistimos a um reforço sistemático do pensamento de grupo, traduzido em avaliações positivas.

 publicado no Expresso de 24 de Novembro