quinta-feira, janeiro 31, 2013

Uma espécie de vacina


Se fosse necessário identificar os principais problemas das políticas públicas portuguesas em perto de quatro décadas de democracia, tenderia a escolher a instabilidade e a falta de negociação. Mudam os Governos ou, pior, mudam os ministros dentro do mesmo Governo e logo se reiniciam “reformas” profundas. Não há ministro que não queira deixar impresso, se nada mais, num par de diplomas no Diário da República o seu reformismo imparável. Do mesmo modo, os resultados da negociação, em lugar de serem vistos como uma forma de aumentar a eficiência das políticas, são sempre lidos como a capitulação de uns e a vitória de outros. A volatilidade e o antagonismo militante entre partidos e entre parceiros sociais têm uma quota-parte importante da responsabilidade no caminho que nos trouxe até aqui. E se o clima estiver a mudar?
Lembrei-me disto ao escutar um excelente debate promovido pela TSF, em torno da reforma do Estado, centrado na segurança social. Ao longo de duas horas, três ex-ministros da área, de partidos diferentes, Silva Peneda (PSD), Bagão Félix (CDS) e Vieira da Silva (PS), não só tiveram uma conversa produtiva e informada, como não se cansaram de concordar em diversos aspectos, preservando perspectivas politicamente distintas: da valorização do histórico de reformas no sistema de pensões à identificação dos principais dificuldades que a sustentabilidade financeira encontra, passando por aquilo que devem ser os objectivos primordiais do nosso Estado social. Ficou claro que aquilo que os aproximava podia permitir a estabilidade e a consensualização que tem faltado às nossas políticas públicas.
No entanto, o facto mais relevante deste debate não foi a proximidade das perspectivas de Silva Peneda, Bagão Félix e Vieira da Silva, mas a distância entre as suas posições face às da dupla revolucionária Passos Coelho/Vítor Gaspar. De um lado, diferenças, mas moderação e realismo; do outro, radicalismo e afastamento progressivo da realidade. É por isso que talvez este ano e meio de Governo possa funcionar como uma espécie de vacina, curando o país de muitos dos males de que sempre padeceu. Depois de termos experimentado o “capitalismo científico”, estaremos em condições de criar uma plataforma política mais ampla – que vá de Bagão Félix a Vieira da Silva, mas que terá de excluir naturalmente Gaspar e Passos Coelho. Talvez então possamos negociar soluções e garantir a sua estabilidade.
Neste sentido, há um conjunto de desafios políticos para resolver nos próximos tempos: à cabeça, renegociar o memorando e reestruturar a dívida. Como sublinhou esta semana Ferro Rodrigues, estes objectivos precisam de um consenso político “muitíssimo mais alargado do que o tradicional quadro da alternância”. Em Outubro, passadas as eleições alemãs e estabilizada a situação europeia, é disso que estaremos a falar. Até lá, é preciso escolher os protagonistas que se vão sentar à mesa de negociações para defender os interesses portugueses. Parece-me que a dupla Passos/Gaspar não terá condições para participar nesta negociação.
publicado no Expresso de 19 de Janeiro