Destruir para criar
“É
impossível aumentar impostos, desastroso continuar a pedir emprestado, e cortar
despesa é simplesmente desadequado”. As palavras podiam ter sido escritas hoje
e revelam com precisão os dilemas que Portugal enfrenta. Contudo, fazem parte
de um memorando redigido em 1786 por Charles-Alexandre de Calonne, ministro das
Finanças de França, dirigido a Luís XVI. Na sequência deste texto, o monarca
aceitou convocar uma assembleia de notáveis para discutir um plano de reformas.
A assembleia falhou e, por sugestão do Marquês de Lafayette, foram convocados
uns estados gerais (os últimos tinham sido em 1614). Como sabemos, bastaram
três anos para a degradação financeira, económica e social se traduzir no
colapso político do antigo regime.
Se conto
este episódio é porque ele é um bom retrato da situação de Portugal hoje – não
podemos aumentar impostos, é desastroso continuar a pedir emprestado, os
limites para os cortes na despesa já foram ultrapassados e não há apelos aos
consensos que nos salvem. Com uma agravante: os dois caminhos dominantes que
nos têm sido oferecidos para lidar com o beco sem saída em que nos encontramos
têm um lado mimético.
De um
lado, estão aqueles que, liderados por Vítor Gaspar, sustentam que a única via para
permanecermos no euro é destruir os fundamentos da nossa economia; de outro, os
que defendem que a única hipótese é abandonarmos a moeda única, o que se
traduziria numa desestruturação da nossa economia no dia seguinte. Em ambos os
casos estamos face a uma crença na destruição criativa: a salvação do país tem
de passar por um processo prévio de destruição.
Ainda
assim, mesmo em contextos assentes no messianismo, a realidade continua a ter
muita força e esta semana o mundo de Vítor Gaspar parece ter começado a mudar. O
que eram as verdades insofismáveis de ontem deixaram de o ser: o cenário
macroeconómico do OE 2013 durou um par de meses; mais tempo já não significa
mais dinheiro e a tese da austeridade expansionista, assente no irrealismo
mágico, perdeu sentido.
Será
esta mudança genuína e suficiente? É duvidoso que quem se move por crenças de
natureza messiânica seja convertível pela realidade material. Acima de tudo, o
essencial do nosso problema persiste.
Os
níveis da dívida pública são insustentáveis e a trajetória atual só pode ser
invertida com excedentes orçamentais significativos durante muito tempo. Uma
impossibilidade com o que se prevê para a nossa economia e para o conjunto da
zona euro, também por força dos pacotes de austeridade que têm sido impostos.
Infelizmente
para nós, enquanto acharmos que é possível pagar dívida externa com os recursos
que resultam da atividade económica doméstica estamos condenados ao fracasso. A
verdade é dura: ou nos batemos por uma renegociação da dívida, que liberte
recursos para a dinamização da economia, ou resta-nos escolher entre aqueles
que querem destruir a economia hoje para alimentar uma vã esperança de
permanecer no euro e os que optam por destrui-la depois de sair do euro. Dois
caminhos que podem bem levar ao colapso político.
publicado no Expresso de 23 de Fevereiro
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