quinta-feira, março 07, 2013

Destruir para criar


“É impossível aumentar impostos, desastroso continuar a pedir emprestado, e cortar despesa é simplesmente desadequado”. As palavras podiam ter sido escritas hoje e revelam com precisão os dilemas que Portugal enfrenta. Contudo, fazem parte de um memorando redigido em 1786 por Charles-Alexandre de Calonne, ministro das Finanças de França, dirigido a Luís XVI. Na sequência deste texto, o monarca aceitou convocar uma assembleia de notáveis para discutir um plano de reformas. A assembleia falhou e, por sugestão do Marquês de Lafayette, foram convocados uns estados gerais (os últimos tinham sido em 1614). Como sabemos, bastaram três anos para a degradação financeira, económica e social se traduzir no colapso político do antigo regime.
Se conto este episódio é porque ele é um bom retrato da situação de Portugal hoje – não podemos aumentar impostos, é desastroso continuar a pedir emprestado, os limites para os cortes na despesa já foram ultrapassados e não há apelos aos consensos que nos salvem. Com uma agravante: os dois caminhos dominantes que nos têm sido oferecidos para lidar com o beco sem saída em que nos encontramos têm um lado mimético.
De um lado, estão aqueles que, liderados por Vítor Gaspar, sustentam que a única via para permanecermos no euro é destruir os fundamentos da nossa economia; de outro, os que defendem que a única hipótese é abandonarmos a moeda única, o que se traduziria numa desestruturação da nossa economia no dia seguinte. Em ambos os casos estamos face a uma crença na destruição criativa: a salvação do país tem de passar por um processo prévio de destruição.
Ainda assim, mesmo em contextos assentes no messianismo, a realidade continua a ter muita força e esta semana o mundo de Vítor Gaspar parece ter começado a mudar. O que eram as verdades insofismáveis de ontem deixaram de o ser: o cenário macroeconómico do OE 2013 durou um par de meses; mais tempo já não significa mais dinheiro e a tese da austeridade expansionista, assente no irrealismo mágico, perdeu sentido.
Será esta mudança genuína e suficiente? É duvidoso que quem se move por crenças de natureza messiânica seja convertível pela realidade material. Acima de tudo, o essencial do nosso problema persiste.
Os níveis da dívida pública são insustentáveis e a trajetória atual só pode ser invertida com excedentes orçamentais significativos durante muito tempo. Uma impossibilidade com o que se prevê para a nossa economia e para o conjunto da zona euro, também por força dos pacotes de austeridade que têm sido impostos.
Infelizmente para nós, enquanto acharmos que é possível pagar dívida externa com os recursos que resultam da atividade económica doméstica estamos condenados ao fracasso. A verdade é dura: ou nos batemos por uma renegociação da dívida, que liberte recursos para a dinamização da economia, ou resta-nos escolher entre aqueles que querem destruir a economia hoje para alimentar uma vã esperança de permanecer no euro e os que optam por destrui-la depois de sair do euro. Dois caminhos que podem bem levar ao colapso político.
publicado no Expresso de 23 de Fevereiro