Um outro consenso é possível?
O país está confrontado com um dilema
insuperável: não podemos sair do euro e não é possível permanecer no euro.
Como ninguém sabe como seria o dia
seguinte e não há saídas ordeiras de uma zona monetária única, não se vislumbra
qualquer possibilidade de saída sem que isso se traduza num caos generalizado;
mas também é todos os dias mais evidente que o euro, tal como existe, é um
factor de estrangulamento da nossa economia. Com uma moeda valorizada e com níveis
de endividamento insustentáveis, seremos lentamente empurrados para fora do
euro. Como fica claro quando se assiste ao debate político, ninguém sabe o que
fazer para sairmos do buraco em que nos encontramos.
De tempos a tempos ressurge, contudo, a
necessidade de um amplo consenso político. No fundo, se nos entendermos, tudo
correrá bem. Esta foi uma dessas semanas dedicada aos consensos. Carta para cá,
reunião para lá e até o Presidente da República, enquanto colocou o discurso da
“espiral recessiva” numa gaveta, veio sublinhar que “o consenso é decisivo para
o país ultrapassar as dificuldades”. É, de facto, verdade. Mas o que Portugal
precisa é de outro consenso, em torno de prioridades muito distintas daquelas
que agora são apresentadas.
Enquanto se insistir que a crise da
dívida soberana é uma oportunidade para desmantelar as funções sociais do
Estado e se continuar a defender a falácia de que fomos resgatados por força de
um alegado desvario despesista a partir de 2009 – que nem sequer das folhas de
cálculo de Gaspar pode constar –, não é possível qualquer tipo de entendimento
político alargado em Portugal. Não menos relevante, faz algum sentido
robustecer a coligação de apoio a uma estratégia que é suicida e que, ao mesmo
tempo que vai destruindo a economia portuguesa, impede objectivamente que
resolvamos o problema da dívida?
Há em tudo isto um lado trágico: estamos
a laborar numa ilusão coletiva, em que a ocultação da realidade convive com
elementos de dissonância cognitiva.
Ainda esta semana, o Financial Times revelou um documento da Troika que reconhecia que Portugal
dificilmente evitaria um segundo resgate, já que as dificuldades de
financiamento pós-memorando serão substantivamente mais elevadas do que antes
da crise. Podemos encontrar eufemismos para o que virá a seguir, mas o nosso
financiamento continuará a ser assistido.
Entretanto, em Washington, o FMI
continua a afirmar que “a Europa deve fazer todos os possíveis para estimular a
procura interna” e que “o sequestro dos orçamentos vai levar a consolidação
excessiva”. Como
se estivessem numa realidade cognitiva paralela, os funcionários da Troika, liderados por Vítor Gaspar,
continuam a repetir o oposto.
De
facto, há um primeiro passo que tem de ser dado: formar um novo consenso face
ao que fazer com a realidade com que estamos, de facto, confrontados. Até
porque se não nos entendermos (em Portugal, mas essencialmente na Troika) em relação a uma inversão de
estratégia, o que nos espera será trágico: de uma forma ou de outra, acabaremos
por sair do euro.
publicado no Expresso de 20 de Abril
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