domingo, maio 12, 2013

A encenação do fim


Este ano, contrariando uma tendência dos últimos tempos, os jardins de São Bento e do Palácio de Belém estiveram encerrados no 25 de Abril. O facto não teria particular relevância se não ocorresse num contexto de fechamento crescente da classe política e quando a crise de representação já há muito deixou de ser apenas um espectro a pairar sobre o regime. No dia em que se celebra a democracia, os portões das instituições fecham-se simbolicamente, por estarem em “manutenção”.
Os portões fechados são, contudo, um episódio marginal de uma encenação do fim que vai decorrendo a um ritmo imparável e que tem marcos bem mais estruturantes.
Há, a este propósito, um indicador avançado, que se sobrepõe a todos os outros. Se tomarmos como indício de consolidação das democracias a capacidade dos partidos do arco da governabilidade para terem, em conjunto, 2/3 dos votos, aquilo a que assistimos um pouco por toda a Europa do sul, numa tendência que chegará a Portugal, é a um retrocesso do regime. A erosão eleitoral dos partidos do centro progride a passos largos e é filha do declínio dos factores que, no passado, os tornaram legítimos: o sucesso do projeto europeu e décadas de expansão do Estado social e de melhoria das condições de vida.
Mas aquele que é, talvez, o sinal mais perturbador é a incapacidade do sistema político para resolver autonomamente os dilemas que enfrenta. A judicialização crescente de questões políticas é disso exemplo. Com a sucessão de orçamentos que têm de ser avaliados pelo Tribunal Constitucional e com o recurso aos tribunais comuns para interpretar o sentido autêntico da lei da limitação dos mandatos autárquicos, temos sinais de que esta tendência não só se tem intensificado, como pode bem ter-se tornado irreversível. O que nos é sugerido é que as instituições eminentemente políticas do regime exauriram as suas capacidades e transferem as suas responsabilidades para outras esferas.
A este propósito, o discurso do Presidente da República nas comemorações do 25 de Abril foi sintomático. Deixemos de parte a forma contraproducente como, enquanto apelava ao consenso, de facto, cristalizou divisões e fixemo-nos no modo como, no dia que se celebrava a instauração da democracia, o Presidente não hesitou em despolitizar radicalmente o leque de opções programáticas possíveis.
Até hoje, nunca tínhamos tido um Presidente da nossa República a desvalorizar de forma tão veemente as eleições, as escolhas políticas e o papel das divergências em democracia. Podemos discordar das opções programáticas dos outros, mas não podemos, em caso algum, condicionar a soberania popular conquistada há 39 anos. A mensagem foi clara: as eleições não interessam, o que conta é o cumprimento do memorando; as ideologias são perigosas, o que importa é o tratado orçamental. Que um dirigente partidário, oportunisticamente, faça um discurso desta natureza, é explicável. Que a mais alta figura do regime lhe dê peso institucional é um prenúncio de que nos aproximamos do fim.

publicado no Expresso de 27 de Abril