domingo, junho 09, 2013

A albanização dos pensionistas


Chega a ser enternecedora a forma como a encenação de Paulo Portas em torno da TSU para os pensionistas serviu como cortina de fumo para a mais brutal das medidas que o Governo se prepara para perpetrar: a convergência retroativa das pensões da Caixa Geral de Aposentações. Não deixa, aliás, de ser sintomático que tenhamos assistido a uma mordidela coletiva do isco. Todas as críticas se centraram numa medida injusta e que é, de facto, mais um “aumento brutal de impostos”, mas que agora é dada como sendo “facultativa”, enquanto se secundarizava uma outra, que prevê cortes bem mais significativos de rendimentos.
            Talvez a explicação esteja nas palavras, como sempre insólitas, de Passos Coelho quando afirmou que as novas medidas não se aplicavam “à generalidade das pessoas” (sic) e não se traduziriam em “consequências diretas para os cidadãos”. Bem sei que a palavra do primeiro-ministro não é para ser levada a sério - verbaliza o que lhe ocorre em que cada momento, sem se preocupar com as repercussões daquilo que diz. Ainda assim, é revelador que faça uma distinção objetiva entre “pessoas” e pensionistas da CGA e que, dois anos passados, continue a não perceber que cortes nos rendimentos de um conjunto de cidadãos produzem efeitos, afundando ainda mais a economia – com “consequências diretas para os cidadãos”.
            Vale a pena recordar algumas evidências. A primeira é que, sendo verdade que a pensão média da CGA é superior à do regime geral da segurança social (1300 e 500 euros), há razões para que assim seja. Umas justificadas, outras não (a persistência de diferenças na fórmula de cálculo para os novos pensionistas).
            Não é despiciendo sublinhar que estamos perante pensões contributivas, o que significa que os benefícios resultam de descontos prévios e diferenciados. Enquanto os salários de referência na CGA foram significativamente superiores (estamos a falar de professores, médicos, magistrados e outras profissões qualificadas e de trabalhadores de fundos de pensões entretanto integrados – é o ex. da PT, CGD e CTT), também as suas carreiras contributivas foram mais longas (30 anos na CGA e 24 no RGSS). Naturalmente que estes descontos têm de se traduzir em pensões mais elevadas.
A menos que se queira “albanizar” os rendimentos de todos os pensionistas, comprimindo-os e tratando de igual forma quem teve carreiras contributivas longas (baseadas em salários mais altos) e quem descontou pouco (sobre salários mais reduzidos), não se percebe qual o objectivo desta diatribe contra os pensionistas.
Como se não bastassem todas estas questões, na carta à troika, o Governo assume que vai “poupar” 740 milhões de euros, em 2014, com um corte de 10%. Já o relatório do FMI referia que, para cortar 600 milhões, era necessário fazer reduções de 20% nas pensões, de forma a isentar as mais baixas. No fundo, o problema é sempre o mesmo: nunca se percebe se devemos temer mais a voragem ideológica do Governo ou a sua incompetência.

publicado no Expresso de 18 de Maio