A albanização dos pensionistas
Chega a ser enternecedora a forma como a
encenação de Paulo Portas em torno da TSU para os pensionistas serviu como
cortina de fumo para a mais brutal das medidas que o Governo se prepara para
perpetrar: a convergência retroativa das pensões da Caixa Geral de
Aposentações. Não deixa, aliás, de ser sintomático que tenhamos assistido a uma
mordidela coletiva do isco. Todas as críticas se centraram numa medida injusta
e que é, de facto, mais um “aumento brutal de impostos”, mas que agora é dada
como sendo “facultativa”, enquanto se secundarizava uma outra, que prevê cortes
bem mais significativos de rendimentos.
Talvez
a explicação esteja nas palavras, como sempre insólitas, de Passos Coelho
quando afirmou que as novas medidas não se aplicavam “à generalidade das
pessoas” (sic) e não se traduziriam
em “consequências diretas para os cidadãos”. Bem sei que a palavra do
primeiro-ministro não é para ser levada a sério - verbaliza o que lhe ocorre em
que cada momento, sem se preocupar com as repercussões daquilo que diz. Ainda
assim, é revelador que faça uma distinção objetiva entre “pessoas” e
pensionistas da CGA e que, dois anos passados, continue a não perceber que
cortes nos rendimentos de um conjunto de cidadãos produzem efeitos, afundando
ainda mais a economia – com “consequências diretas para os cidadãos”.
Vale
a pena recordar algumas evidências. A primeira é que, sendo verdade que a pensão
média da CGA é superior à do regime geral da segurança social (1300 e 500 euros),
há razões para que assim seja. Umas justificadas, outras não (a persistência de
diferenças na fórmula de cálculo para os novos pensionistas).
Não
é despiciendo sublinhar que estamos perante pensões contributivas, o que
significa que os benefícios resultam de descontos prévios e diferenciados.
Enquanto os salários de referência na CGA foram significativamente superiores
(estamos a falar de professores, médicos, magistrados e outras profissões
qualificadas e de trabalhadores de fundos de pensões entretanto integrados – é
o ex. da PT, CGD e CTT), também as suas carreiras contributivas foram mais
longas (30 anos na CGA e 24 no RGSS). Naturalmente que estes descontos têm de
se traduzir em pensões mais elevadas.
A menos que se queira
“albanizar” os rendimentos de todos os pensionistas, comprimindo-os e tratando
de igual forma quem teve carreiras contributivas longas (baseadas em salários
mais altos) e quem descontou pouco (sobre salários mais reduzidos), não se
percebe qual o objectivo desta diatribe contra os pensionistas.
Como se não bastassem todas estas
questões, na carta à troika, o
Governo assume que vai “poupar” 740 milhões de euros, em 2014, com um corte de
10%. Já o relatório do FMI referia que, para cortar 600 milhões, era necessário
fazer reduções de 20% nas pensões, de forma a isentar as mais baixas. No fundo,
o problema é sempre o mesmo: nunca se percebe se devemos temer mais a voragem
ideológica do Governo ou a sua incompetência.
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