O que move o Presidente?
Cavaco Silva está numa
posição que não encontra paralelo nos anteriores Presidentes da República. Com
níveis de popularidade baixos, tem sido incapaz de funcionar como válvula de
escape do regime, acomodando institucionalmente a conflitualidade social; não
alargou a sua base de apoio e circunscreveu a sua margem de manobra,
patrocinando com gestos e palavras o atual Governo. Neste sentido, a reunião do
Conselho de Estado foi lida como mais um momento de respaldo do primeiro-ministro,
sendo possível distinguir dois tipos de interpretações do que esteve em causa.
Para uns, Cavaco Silva quer
evitar a todo o custo uma crise política. Com a queda do Governo, um cenário
que se encontra à distância de uma palavra mais crítica, o Presidente ficaria
“com o bebé nos braços” e antecipa os custos políticos pessoais que decorreriam
de uma crise de governabilidade de contornos imprevisíveis.
Para outros, o Presidente
vive em comunhão programática com o executivo e, pese embora algumas críticas no
passado, no fundo acredita na receita que está a ser aplicada, desde que
preservada a situação dos pensionistas. Sendo assim, o Conselho do Estado tinha
um propósito claro: criar condições alargadas para que, esteja quem estiver no
poder, o “programa cautelar” que se seguirá ao memorando de entendimento tenha
apoio.
Não digo que estas
explicações não sejam verdadeiras e que, em última análise, o Presidente
queira, custe o que custar, evitar uma crise. Mas, mesmo tendo em conta um
Conselho de Estado convocado com um tema que se aproxima do argumento de um
filme de ficção científica cuja ação decorre num futuro distante, é possível
que Cavaco Silva aja movido por outros factores.
Convenhamos que o exercício
que é exigido ao Presidente está longe de ser fácil. Para quem defende a
substituição deste Governo sem eleições, Cavaco Silva teria, ao mesmo tempo, de
encontrar um nome alternativo ao do primeiro-ministro que fosse aceite pelo PSD
(que teria de mudar de líder), manter Paulo Portas a bordo e, pelo caminho,
secundarizar o líder do maior partido da oposição, que, aliás, está à frente
nas sondagens. Para aqueles que defendem a realização de eleições, Cavaco Silva
teria de contribuir para a formação de uma nova maioria, com um quadro
parlamentar totalmente fragmentado.
Como bem referiu Jorge
Sampaio, o país encontra-se politicamente bloqueado, pelo que é evidente que,
mais cedo do que tarde, teremos um novo Governo, com o mesmo parlamento ou com
novas eleições. Mas é também possível que Cavaco Silva esteja apenas a tratar
de reforçar a sua posição perante uma crise. É verdade que é diferente remover
agora um primeiro-ministro incapaz ou remover, daqui a uns tempos, um
primeiro-ministro que foi apoiado de todas as formas possíveis pelo Presidente
da República e que, mesmo assim, se revelou incapaz. No fundo, Cavaco Silva
pode estar a fazer o que sempre fez eximiamente: reforçar a sua posição
pessoal. Com uma diferença, hoje fá-lo numa posição bem mais difícil, na qual
se colocou apenas por responsabilidade própria.
publicado no Expresso de 25 de Maio
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