Obviamente, demita-se
O
propósito do Presidente da República de promover um consenso entre os partidos
que tiveram responsabilidades governativas era há um ano desejável, exigente,
mas viável. Naturalmente que um compromisso não é um valor em si, depende do
seu conteúdo. E no passado tinha sido importante promover um compromisso que
assentasse numa inversão da estratégia de ajustamento que tem sido seguida e
que se tem revelado uma verdadeira catástrofe. Mas esse comboio já passou e,
hoje, o consenso que o Presidente pede deixou de ser possível.
Desde
logo porque assenta numa escalada de humilhação ao primeiro-ministro. Passos
Coelho conseguiu algo inédito: em dez dias foi desautorizado e demitido três
vezes. Pelo Ministro das Finanças, que afirmou que não era capaz de liderar;
pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, que sublinhou que era politicamente
incapaz; e, finalmente, pelo Presidente da República, que não lhe reconheceu
capacidade para dirigir o governo recauchutado que lhe foi apresentado. Como é
que alguém que nem pelos seus pares é visto como politicamente capaz pode
liderar um consenso alargado?
O
exercício assenta também num pedido paradoxal. O mesmo Presidente que, depois
de ter sido humilhado pela dupla Passos/Portas, lhes retirou a confiança, vem
depois pedir ao Partido Socialista que confie nos líderes da coligação e
negoceie com eles. Não é possível negociar com quem está tão desacreditado e
fragilizado.
No
fundo, as sucessivas mensagens dos últimos dez dias convergem num sentido:
obviamente, demita-se. Depois do que foi dito por Gaspar, Portas e Cavaco,
alguém com o mínimo respeito por si próprio teria já dado esse passo.
Mas a
situação insólita em que nos encontramos não resulta, no essencial, de um
problema de conduta do primeiro-ministro, mas sim de uma exigência que implica
que, por arte mágica, se apague tudo o que se passou politicamente nos dois
últimos anos.
Chegámos
aqui porque tivemos um primeiro-ministro que foi incapaz de promover consensos
e que foi descartando, um a um, todos os parceiros (primeiro o PS, que foi
afastado logo na 1ª avaliação ao memorando; depois a UGT e logo de seguida os
restantes parceiros sociais; e, finalmente, até o parceiro de coligação, o CDS)
e, mais relevante, porque foi seguida uma estratégia orçamental assente numa
austeridade revolucionária que, manifestamente, colapsou.
Há
alguma razão para crermos que “agora é que é”? Que, com um Governo sem
liderança, em desagregação interna e que não se coordena, com dois líderes que
humilharam Cavaco Silva e que foram objectivamente desautorizados pelo
Presidente, vai ser possível alcançar compromissos e garantir a estabilidade
política inexistente?
Portugal
precisa, de facto, de compromissos e de um acordo amplo. Mas um acordo para
renegociar (o memorando) e para mudar (começando por convencer a troika do
absurdo económico que é manter os cortes de 4 mil milhões, deixados por
Gaspar). Um consenso com os mesmos protagonistas e em torno da trajetória dos
últimos dois anos é suicídio assistido.
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