segunda-feira, setembro 16, 2013

Obviamente, demita-se


O propósito do Presidente da República de promover um consenso entre os partidos que tiveram responsabilidades governativas era há um ano desejável, exigente, mas viável. Naturalmente que um compromisso não é um valor em si, depende do seu conteúdo. E no passado tinha sido importante promover um compromisso que assentasse numa inversão da estratégia de ajustamento que tem sido seguida e que se tem revelado uma verdadeira catástrofe. Mas esse comboio já passou e, hoje, o consenso que o Presidente pede deixou de ser possível.
Desde logo porque assenta numa escalada de humilhação ao primeiro-ministro. Passos Coelho conseguiu algo inédito: em dez dias foi desautorizado e demitido três vezes. Pelo Ministro das Finanças, que afirmou que não era capaz de liderar; pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, que sublinhou que era politicamente incapaz; e, finalmente, pelo Presidente da República, que não lhe reconheceu capacidade para dirigir o governo recauchutado que lhe foi apresentado. Como é que alguém que nem pelos seus pares é visto como politicamente capaz pode liderar um consenso alargado?
O exercício assenta também num pedido paradoxal. O mesmo Presidente que, depois de ter sido humilhado pela dupla Passos/Portas, lhes retirou a confiança, vem depois pedir ao Partido Socialista que confie nos líderes da coligação e negoceie com eles. Não é possível negociar com quem está tão desacreditado e fragilizado.
No fundo, as sucessivas mensagens dos últimos dez dias convergem num sentido: obviamente, demita-se. Depois do que foi dito por Gaspar, Portas e Cavaco, alguém com o mínimo respeito por si próprio teria já dado esse passo.
Mas a situação insólita em que nos encontramos não resulta, no essencial, de um problema de conduta do primeiro-ministro, mas sim de uma exigência que implica que, por arte mágica, se apague tudo o que se passou politicamente nos dois últimos anos.
Chegámos aqui porque tivemos um primeiro-ministro que foi incapaz de promover consensos e que foi descartando, um a um, todos os parceiros (primeiro o PS, que foi afastado logo na 1ª avaliação ao memorando; depois a UGT e logo de seguida os restantes parceiros sociais; e, finalmente, até o parceiro de coligação, o CDS) e, mais relevante, porque foi seguida uma estratégia orçamental assente numa austeridade revolucionária que, manifestamente, colapsou.
Há alguma razão para crermos que “agora é que é”? Que, com um Governo sem liderança, em desagregação interna e que não se coordena, com dois líderes que humilharam Cavaco Silva e que foram objectivamente desautorizados pelo Presidente, vai ser possível alcançar compromissos e garantir a estabilidade política inexistente?
Portugal precisa, de facto, de compromissos e de um acordo amplo. Mas um acordo para renegociar (o memorando) e para mudar (começando por convencer a troika do absurdo económico que é manter os cortes de 4 mil milhões, deixados por Gaspar). Um consenso com os mesmos protagonistas e em torno da trajetória dos últimos dois anos é suicídio assistido.

 publicado no Expresso de 29 de Junho