Desta vez é diferente
Quando
os porta-vozes da coligação afirmam que estamos a iniciar um “novo ciclo”, não
se chega a perceber se nos estão a enganar a todos nós ou se se estão a enganar
a eles próprios.
É
evidente que a remodelação tem aspectos positivos que saltam à vista. Não só se
corrige o absurdo orgânico que foi o “Governo enxuto”, uma ideia que só podia
ter vindo da cabeça impreparada de Passos Coelho, como os ministros que entram
acrescentam maturidade política ao executivo. Mas é um daqueles casos em que,
se por um lado o mal já está feito, por outro, as razões que detonaram esta
estrondosa crise continuam todas por resolver. Não é por se varrer os problemas
para baixo do tapete que eles desaparecem. Podemos estar perante ganhos conjunturais
– a “coesão e solidez” que o Presidente garantiu vislumbrar– mas que
rapidamente se tornarão uma ilusão.
Aliás,
se recuarmos 3 semanas somos capazes de ver com uma nitidez que entretanto se
desvaneceu as razões desta crise política. Na verdade, estão expressas com
notável clareza na insólita carta de demissão de Vítor Gaspar: incapacidade de
consensualizar no conselho de ministros os cortes acordados com a troika e
ausência de liderança política do Primeiro-ministro. Depois da demissão do
Ministro das Finanças, até então primeiro-ministro de facto, Paulo Portas,
quando percebeu que a nova ministra significava uma continuação da linha Gaspar
mas em piores condições, demitiu-se. Podemos, hoje, perguntar: algum destes
problemas foi ultrapassado? Ou, está o Governo em melhores condições para
superar os seus bloqueios internos?
A
resposta é não. Bem pode o Governo alimentar a ilusão de um novo ciclo, mas a
realidade encarregar-se-á de regressar a galope, defraudando as expectativas
que Passos e Portas alimentaram. Não há nenhum motivo para acreditarmos que
desta vez será diferente.
Um
“novo ciclo” de crescimento e investimento é, desde logo, incompatível com a
austeridade já acordada para 2014 na 7ª avaliação do memorando – uma
austeridade que só na inclinação otimista das previsões não se traduz já num
anúncio de continuação da espiral recessiva. Os 0.3% de crescimento do produto
que o Banco de Portugal ainda prevê para 2014, a manterem-se os cortes para o
ano e o falhanço da execução orçamental de 2013 (que implicará um esforço
adicional no exercício de 2014, que se encarregará de comer qualquer nova
margem para o défice que venha a ser negociada), acabarão por ser revistos em
baixa.
Hoje
sabemos que o pavor dos aparelhos partidários em se verem afastados do poder
ajudou a cerrar fileiras em torno de um líder falhado e desautorizado pelo
Presidente (Passos) e vergou um que se quis demitir (Portas), mas continuamos
sem saber como é que o orçamento para 2014 vai ser elaborado, em que é que
assentará a mirífica reforma do Estado, para além de uma lista detalhada de
cortes, e como é que vai resistir uma Ministra das Finanças que nasceu frágil e
tem a pairar sobre si a espada de Dâmocles que é a comissão de inquérito aos
swaps. O Governo superou as tormentas, mas a tempestade ainda não passou.
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