segunda-feira, setembro 16, 2013

Para início de conversa


Esta semana o Banco de Portugal divulgou o seu boletim de verão. Aparentemente, trata-se de um episódio lateral à negociação que, quando escrevo, ainda decorre entre PSD/CDS/PS. Nada de mais errado. Por si só, o que o BdP nos diz deveria suspender, de imediato, o corte de 4,7 mil milhões de euros previsto para 2014, corte esse que além de politicamente inviável é economicamente estúpido.
Sobre a inviabilidade política, as últimas semanas foram esclarecedoras. Cortes desta grandeza, numa economia deprimida e com o mercado de trabalho esfrangalhado, terão um impacto difícil de antecipar, mas de consequências devastadoras nas instituições do regime. A turbulência política das últimas semanas é apenas uma pequena amostra do que pode estar para vir, com o desemprego a manter-se nos 20%. Quem desejar fragmentar o sistema político que construímos, com muitas debilidades, ao longo das últimas quatro décadas, deve avançar de forma decisiva para estes cortes. Quem, pelo contrário, quer preservá-lo, deve opor-se sem reservas ao compromisso já assumido detalhadamente pelo ainda primeiro-ministro junto da troika.
Estes cortes são politicamente perigosos porque são economicamente irracionais – como aliás demonstra, ainda que de forma tímida, o próprio BdP. No boletim de verão são revistos em baixa os valores do PIB para 2014. Um crescimento previsto da economia de 1,1%, passou para 0,3%, muito próximo da recessão. Tudo porque foram consideradas as medidas de austeridade pré-anunciadas. A timidez está, contudo, na forma como foi calculado o impacto recessivo dos cortes da dupla Passos/Gaspar.
A questão é saber como se prevê os efeitos dos cortes no comportamento da economia. Como é sabido, todas as instituições têm revisto o multiplicador que usam para o efeito. O FMI já o fez – reconhecendo os erros sucessivos nas suas estimativas – e um grupo de economistas do BdP fez agora o mesmo. De acordo com este estudo, em momentos como o que vivemos, o multiplicador é de 2 – ou seja, superior ao que o próprio Banco (ainda) usa nas suas projeções.
Como chamou a atenção, com notável clareza, o economista Luís Aguiar-Conraria, no blogue “A destreza das dúvidas”, 4,7 milhões representam cerca de 2,85% do PIB e, se usarmos o multiplicador atualizado, os cortes previstos provocariam uma queda no PIB de 9,4 mil milhões – ou seja, superior ao previsto no boletim de verão. Por si só, esta queda aumentaria a dívida de 125% para 132% e implicaria uma diminuição de receitas de 3,3 mil milhões. Contas feitas, 4,7 mil milhões de cortes corresponderiam a uma redução de défice de, pasme-se, 0.6 p.p. Pelo caminho, a recessão agravar-se-ia e começa a ser difícil antecipar o comportamento do mercado de trabalho. Aguiar-Conraria pergunta, com razão: “não há ninguém que lhes esfregue com as folhas de Excel na cara?”
Espero que isto tenha sido feito ad infinitum durante as negociações, porque uma conversa que termine com a manutenção dos cortes prometidos por Passos/Gaspar no fim da 7ª avaliação não terá nada de salvífico. É apenas mais um ato de uma tragédia nacional.

publicado no Expresso de 6 de Julho