Uma verdade sistémica
Quase cinco anos passados
sobre o eclodir da crise financeira, em Portugal discute-se, a propósito de um
instrumento financeiro que é um exemplo vivo das causas da crise, um problema
comportamental de uma Ministra das Finanças. Não restam dúvidas de que, como
afirmou Rui Rio esta semana, numa “democracia adulta” Maria Luís Albuquerque já
não seria ministra. Mas a questão dos swaps, tendo uma dimensão comportamental,
é bem mais complexa e de natureza sistémica.
Durante mais de uma década,
os swaps foram o produto financeiro sexy por excelência. Um pouco por todo o
mundo, o sistema financeiro convenceu governos, poder local e empresas públicas
de que estes produtos eram ideais. O objectivo era claro: segurar os
investimentos face a subidas das taxas de juros. O problema é que as taxas
desceram para níveis historicamente baixos. Com consequências. Enquanto o
sistema financeiro passou a acumular ganhos, todas as outras partes acumularam
perdas.
Hoje, é claro que, tal como
os empréstimos sub-prime, os swaps são uma arma financeira de destruição
maciça, um jogo de alto-risco que foi literalmente vendido por partes
interessadas e detentoras de mais informação e mais poder. Os swaps são o mais
importante dos produtos derivados (representam 80% de todos os contratos
derivados) e um instrumento que, de facto, sustenta a economia global
financeirizada. Vale a pena colocar o tema em perspectiva. O PIB total do mundo
é de cerca de 50 triliões de dólares, enquanto o valor total dos swaps
existentes é de 441 triliões de dólares, cerca de oito vezes a produção do
mundo inteiro. No mínimo, dá que pensar.
Numa interessante entrevista
ao Público, a economista Mariana Abrantes de Sousa chamava a atenção para um
conjunto de factos singelos. Por um lado, sublinha a “estupidez global” destes
produtos, que têm levado à falência de cidades (os casos mais conhecidos são
Stockton, na Califórnia, e Detroit) e, por outro, defende que estes contratos
foram possíveis, em importante medida, por força da desestruturação da
administração pública, cada vez menos capaz de lidar com problemas complexos –
“antigamente, a Direcção-Geral do
Tesouro e Finanças (DGTF) geria a dívida, as empresas públicas, as PPP, o
património. Tinha uma mão firme em todas essas áreas. (...) a DGTF foi
definhando. Essa separação dispersou conhecimento que antes estava concentrado
no Terreiro do Paço”.
Não deixa de ser
revelador que, cinco anos depois do deflagrar da crise, se assista a uma
discussão sobre swaps que, no essencial, trata o problema como sendo sistémico
e comportamental do lado do Estado (que, é-nos dito, vive acima das
possibilidades e se deixou arrastar pela voragem do crédito fácil) e apenas
comportamental do lado do sistema financeiro (a ganância que moveu os
banqueiros), quando, na verdade, o problema é sistémico dos dois lados. Um
Estado que tem sido desnatado, em nome da austeridade, o que fragiliza
objectivamente a capacidade de defender o interesse público, e um sistema
financeiro que passou incólume por uma crise pela qual é responsável último.
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