O regresso dos Zombies
Tornou-se
difícil compreender a crise atual sem prestar atenção a um ramo particularmente
popular da ciência económica: “a economia zombie”. A expressão, cunhada por
John Quiggin, reflete a forma como algumas ideias económicas não morrem, mesmo
quando revelam inconsistências lógicas decisivas e falham de forma brutal. A
austeridade expansionista, um eufemismo para “consolidação orçamental amiga do
crescimento”, é talvez a mais popular, e também a mais perigosa, destas ideias.
Falhou, continua a falhar, mas ainda assim regressa, como se de um morto-vivo
se tratasse.
Lembrei-me,
uma vez mais, da importância deste ramo da economia quando, esta semana,
através de uma notícia do Jornal de Negócios, se ficou a saber que o Governo
manipulou grosseiramente os dados da evolução dos salários nos últimos anos de
forma a que os cortes salariais parecessem ter sido bastante mais reduzidos do
que na realidade foram. Em dados enviados ao FMI (ou pedidos pelo FMI já
devidamente “martelados”, pouco importa), o Governo informou de que somente 7%
dos trabalhadores tiveram cortes nos salários em 2012, quando, na realidade (lá
está, a realidade sempre a regressar), 27% dos trabalhadores viram os seus
salários cortados, enquanto 45% os viu estagnar.
Dir-me-ão
que há um longo histórico de governos a manipular dados estatísticos. É
verdade. Os números são armas de combate político que permitem criar uma ilusão
em torno da realidade. Acontece que, neste caso, o que foi manipulado remete
para o âmago da estratégia do Governo e das troikas ideológicas que o
acompanham: o problema da nossa economia resulta de excesso de rigidez, seja do
lado da regulação do mercado de trabalho, seja do lado salarial. Como não
hesitariam em dizer, temos leis laborais acima das nossas possibilidades e,
claro, salários demasiado altos. Em teoria, é isso que explicaria o desemprego
elevado com que hoje estamos confrontados.
Qual
é o problema destas asserções? São desmentidas pela realidade concreta dos
últimos anos. Por um lado, de acordo com a OCDE, a nossa legislação laboral foi
a que mais se flexibilizou, não fazendo já parte das mais rígidas; por outro,
ao contrário do que o Governo tenta fazer crer, os nossos salários já se
desvalorizaram mais do que nos é dito.
O
drama é que, depois de aplicada com desvelo a terapia defendida por muitos com
uma crença messiânica, o desemprego disparou, o défice não baixa e a dívida não
para de crescer. Aterrador nisto tudo é que perante um falhanço colossal e
quando pensamos que estamos face a ideias económicas já mortas, elas regressam,
como zombies, prontas a assombrar-nos. Faz sentido. Afinal, quando a realidade
não se conforma com as nossas doutrinas, literalmente maradas, há que contornar
a realidade.
Sabem
o que é que o FMI se prepara para defender na 8ª avaliação do memorando,
concretizando os sonhos do Governo? Que é preciso insistir nos cortes
salariais. Os tais que não foram suficientes, até porque assentaram em valores
“martelados”. Não há dúvida que estamos perante gente perigosa, movida por
ideias perigosas.
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