segunda-feira, outubro 14, 2013

A nacionalização das autárquicas


Quem tenha acompanhado a cobertura televisiva da campanha autárquica ficou com a sensação de que os cinco líderes dos partidos com representação parlamentar eram, simultaneamente, candidatos à presidência de 308 municípios. Este facto resultou, em importante medida, de uma decisão obtusa da Comissão Nacional de Eleições que contribuiu para nacionalizar as autárquicas e não deixará de ter efeitos no domingo.
Num contexto como o que vivemos, em que a crise económica e social dá sinais de se estar a transformar numa crise institucional e de regime, a diluição nacional de centenas de disputas locais é, em si, factor de empobrecimento. O poder local é uma malha de segurança do regime democrático, não apenas por força da relação de proximidade que aí se estabelece entre quem é eleito e quem elege mas também porque a larguíssima maioria dos portugueses que tem participação política activa fá-lo ao nível local – em Juntas de Freguesia, Assembleias Municipais ou Câmaras. Objectivamente, assistiu-se nesta campanha a uma desvalorização do papel desempenhado na preservação do regime por todos estes cidadãos.
Mas se, por norma, as leituras políticas nacionais das autárquicas são difíceis, neste domingo estaremos face a uma situação paradoxal que representa um risco acrescido.
Se recuarmos um par de meses, a discussão política prendia-se de facto com as eleições locais. Então, os temas eram a limitação de mandatos; a forma como os candidatos do PSD procuravam esconder a sua filiação e ligação ao Governo; ou a ausência de candidatos com projecção nacional no PS. Entretanto, a cobertura mediática nacionalizou as eleições e nas últimas duas semanas discutiram-se as dissonâncias nos discursos do primeiro-ministro e do vice, a iminência de um 2º resgate e o regresso da troika.
Esta mudança de enfoque temático teve consequências. O processo de nacionalização das autárquicas, ao oferecer mediaticamente uma grelha de leitura política nacional, parece fomentar o voto de protesto. Se o tema é a governação e se o primeiro-ministro surge, um sem-número de vezes, a aproveitar palcos locais para dirimir os conflitos internos ao conselho de ministros ou para tentar encontrar um bode expiatório para o falhanço da sua estratégia, é natural que no dia 29 se assista a um referendo ao Governo.
A questão é que pode haver uma contradição entre a grelha de leitura política que resulta da cobertura mediática e o que de facto vai ocorrer quando os portugueses votarem. É de esperar muito voto de protesto, mas é também muito provável que este coexista com dinâmicas locais, pouco visíveis e relativamente imunes ao descontentamento com a governação. Se a isto somarmos a incerteza que decorrerá da existência de um número significativo de independentes com possibilidades de vitória, bem como do surpreendente crescimento do PCP a sul do Tejo, pode bem acontecer que, quando se for procurar o esperado crescimento eleitoral do maior partido da oposição à custa da queda dos partidos de Governo, ele não apareça.
publicado no Expresso de 29 de Setembro