segunda-feira, novembro 29, 2010

Nós Somos a Irlanda

Há uns meses, Portugal não era a Grécia; entretanto é a Irlanda que não quer ser a Grécia; Portugal que não quer ser a Irlanda; a Espanha que não quer ser Portugal; a Itália que não quer ser a Espanha e, para citar João César Monteiro a outro propósito, mas com o mesmo sentido, "e assim sucessivamente". Há nisto um fundo de verdade: a Grécia tinha contas públicas fraudulentas, a Irlanda um problema gravíssimo no sistema financeiro, Portugal um potencial de crescimento económico medíocre, a Espanha uma bolha imobiliária e a Itália um problema de endividamento público. Nessa medida, cada caso é um caso, com problemas singulares que têm de ter, com urgência, respostas específicas. Mas, ainda assim, este mantra repetido nos vários países da periferia é apenas uma forma de cada um caminhar isoladamente, oferecendo-se como um cordeiro para um sacrifício que dificilmente terá bons resultados. Os países podem, através de medidas de austeridade brutais, tentar resolver os seus problemas, mas não só é duvidoso que isso seja eficaz, como persistirá um problema que está na génese do mal europeu.

Há na zona euro um desequilíbrio estrutural entre países que pertencem ao mesmo espaço monetário: enquanto alguns (poucos) têm saldos positivos na balança de transações correntes, outros (os da periferia) apresentam défices persistentes. Num sistema de tipo federal como os EUA, estes desequilíbrios também existem, mas são geridos pelo Governo federal, que garante a coesão global. Precisamente o que a Europa não está a fazer, nem quer - insistindo na ilusão de que é possível ter uma união monetária a responder a um choque externo brutal sem mecanismos que garantam a coesão interna. A este propósito, num notável artigo no "Financial Times", Gavyn Davies chamava a atenção para alguns factos singelos: em primeiro lugar, a zona euro, vista como um todo (que é o que deve ser feito), encontra-se fiscalmente mais equilibrada do que outras economias desenvolvidas (EUA e Japão, por exemplo); depois, se fosse possível avançar com uma política orçamental comum de imediato, a situação orçamental do conjunto da UE seria a melhor do mundo desenvolvido, logo não existiria nenhuma crise da dívida soberana; finalmente, as contradições que se tornam agora visíveis na periferia só podem ser resolvidas se houver uma partilha de responsabilidades dentro da zona euro. Ou seja, os países da periferia têm de fazer ajustamentos, mas estes têm de ser acompanhados por uma maior cooperação orçamental europeia. Caso contrário, continuaremos a falar em risco de incumprimento e o cenário manter-se-á muito negro para o euro. E um cenário negro para o euro será o fim da UE como a conhecemos nos últimos 25 anos.

Moral da história: os países da periferia têm um problema comum para enfrentar, sendo que é da sua resolução que nascerá a capacidade para responder com eficácia às singularidades que caracterizam a síndrome económica e financeira de cada país. Se, no curto prazo, a repetição incansável pelos países que se encontram em situação mais frágil de que o seu caso é distinto daquele que está prestes a sucumbir pode funcionar como um balão de oxigénio, não passará muito tempo para que a situação mude. Para estancar o efeito dominó acelerado que destruirá o euro, só há uma alternativa e é de natureza política. Os países da periferia têm de se coligar para dizer: 'nós somos a Irlanda'.

Texto publicado na edição do Expresso de 20 de novembro de 2010

sábado, novembro 27, 2010

Sondagem Presidenciais na SIC-N

domingo, novembro 21, 2010

A Europa precisa de maus alunos

Europeístas e bons alunos. Foram estes os alicerces da nossa participação no processo de integração europeia. Mas o que era uma linguagem com sentido e benefícios, transformou-se num exercício retórico que nos é prejudicial.

Desde logo porque o contexto mudou radicalmente. A Europa deixou de ser um mecanismo de reforço do Estado-nação, com a transferência de competências a ser acompanhada por maior capacitação dos Estados-membros. Hoje, vivemos um quadro artificial: o essencial das decisões políticas é tomado ao nível europeu, enquanto se vive uma encenação permanente, na qual os políticos nacionais se julgam relevantes, quando são impotentes.

Esta tendência acentuou-se. Perante o primeiro choque sério, o euro revelou-se institucionalmente frágil. Há muitos erros que devem ser assacados aos países do Sul, mas, além disso, resta uma união monetária que não previa mecanismos para lidar com os efeitos assimétricos da crise. A verdadeira clivagem económica é entre países que têm excedentes nas trocas comerciais (a Alemanha, a China e o Japão) e aqueles que apresentam balanças deficitárias (os EUA, o Reino Unido e os países da Europa do Sul) e tomar o conjunto da zona euro como a dimensão de análise relevante é, a este propósito, uma ficção. O problema não são as relações comerciais da zona euro com o resto do mundo (que são equilibradas), são os desequilíbrios internos ao euro. Ora se a saída para a crise assentar no crescimento das exportações de todos, não se percebe quem vai importar. A menos que as economias excedentárias estimulem também a procura interna, a procura global não pode crescer. Esperar que os custos do ajustamento sejam todos feitos pelas economias deficitárias do sul é um erro para o euro e assenta numa ilusão. É para essa ilusão que nos empurra a visão paroquial da senhora Merkel.

A última semana, em que assistimos impotentes ao cavalgar das taxas de juro da dívida soberana dos países da periferia, serviu para acentuar a irrelevância do debate político doméstico. Infelizmente, a ultrapassagem da barreira dos 7% não se deve nem à previsão de execução orçamental de 2010, nem à instabilidade política que se anuncia. As causas devem ser procuradas em mais uma opção politicamente errada tomada no Conselho Europeu: a renegociação da dívida, com custos repartidos para os credores, deu sinais errados aos mercados e aumentou o risco.

Este cenário deixa em aberto dois caminhos: continuar a fazer de bom aluno lá fora, executando acriticamente as soluções políticas gizadas pelo renascido eixo franco-alemão ou, pelo contrário, fazermos de bom aluno cá dentro e de mau aluno na Europa. O primeiro caminho implica uma interiorização da culpa moral sobre a situação em que nos encontramos; o segundo depende, em primeiro lugar, da aceleração da consolidação das contas públicas, mas requer que este exercício seja combinado com uma democratização das opções europeias, insistindo para que se encontre uma solução sistémica para o euro. A salvação do projeto europeu depende, hoje, da multiplicação de maus alunos em toda a Europa. Maus alunos que, por exemplo, comecem a recusar-se a comprar produtos alemães. Talvez, assim, se perceba que a questão é política e não moral e que a periferia ter vivido acima das suas possibilidades foi também uma necessidade sistémica.

Texto publicado na edição do Expresso de 13 de novembro de 2010

quarta-feira, novembro 17, 2010

Discussão OE na AR - SIC-N

segunda-feira, novembro 15, 2010

Um país em dissonância cognitiva

Não é preciso grande exercício de memória para nos recordarmos da ampla coligação em torno da diminuição da despesa que dominava o país há uma semana. Enquanto o Governo se propunha fazer cortes que não encontram paralelo na história da democracia portuguesa, o PSD exigia mais cortes, a somar aos já anunciados. Entretanto, como tudo o que aparenta ser sólido, a coligação desfez-se em ar.

Desde logo, porque, enquanto em abstrato há um largo consenso em torno dos cortes na despesa, assim que estes se traduzem em cortes específicos, o consenso desmorona-se. A procissão ainda vai no adro, mas esta semana, na comunicação social, já tivemos uma amostra - com os cortes nos abonos de família - do que se anuncia para 2011. O exemplo é ilustrativo. É verdade que as prestações não contributivas deveriam ter ficado de fora do pacote de austeridade. Exatamente porque a intensidade dos nossos ajustamentos será muito grande, era necessário garantir uma rede de mínimos sociais sólida, capaz de proteger os mais desfavorecidos. Não foi essa a opção do PEC II e foi um erro que terá consequências sociais, mas, também, políticas (nomeadamente para o PS, que alienou parte significativa do seu património ideológico). Contudo, os mesmos que na semana passada clamavam por maior contenção na despesa, foram os primeiros a indignar-se perante casos concretos de famílias que viram as transferências sociais a diminuírem. Agora foi o abono de família, mas quando chegarmos a fevereiro ou março, os que dizem que é muito fácil cortar nos "consumos intermédios", estarão cá para se indignar com o exemplo, devidamente televisionado, da escola com dificuldades de funcionamento ou dos polícias que não podem garantir a segurança, porque não há dinheiro para a gasolina dos carros patrulha. Parafraseando Passos Coelho, "o pior está para vir". É que a despesa pública não é uma abstração. Podem existir gorduras, mas a despesa pública é, no essencial, salários, prestações sociais, funções de soberania (defesa e segurança), educação e saúde.

Mas o espectáculo mais deprimente foi aquele a que se assistiu no Parlamento. Quem, ingenuamente, tinha ficado convencido que o acordo entre Governo e PSD era um primeiro passo para o consenso político necessário para reequilibrar as contas públicas, perdeu as ilusões. Esta semana, assistimos em força ao regresso do antagonismo militante que tem caracterizado a política portuguesa. Quando eram necessários entendimentos, é-nos oferecida uma repetição dos debates quinzenais, com os mesmos truques, a costumeira agressividade e total incapacidade de diálogo. Os portugueses, como bem intuiu o político profissional Cavaco Silva no twitter, só podem assistir com impaciência aos debates políticos.

Não é preciso ser psicólogo para se identificar a patologia de que o país padece. Chama-se 'dissonância cognitiva' e resulta da tensão entre cognições que são incompatíveis entre si. É a isso que assistimos: uma incompatibilidade lógica entre, por um lado, uma crença de nível mais primário (o corte na despesa) e, por outro, o desconforto com as consequências concretas desses cortes. Como se não bastasse, essa inconsistência é acompanhada por uma dissonância crescente entre a classe política e a expectativa que os portugueses têm sobre o seu comportamento.

Texto publicado na edição do Expresso de 6 de novembro de 2010

quarta-feira, novembro 03, 2010

Aprovação O.E. na SIC-N