quarta-feira, fevereiro 27, 2013

A desfazer-se no ar


“Tudo o que é sólido desfaz-se no ar”, avisava Karl Marx. Naturalmente que a asserção também se tornou válida para o marxismo. Mas, por agora, pensemos no sistema partidário português, naquilo que tem de mais sólido. Também neste caso, o risco de se desfazer no ar não deve ser menosprezado. Bem pelo contrário.
Os dois partidos que alternaram no poder durante os 38 anos de democracia, PS e PSD, têm ancoragens ideológicas e bases eleitorais de apoio bem distintas, mas partilham um conjunto de semelhanças. A primeira das quais é terem sido construídos de cima para baixo, sem movimento, respondendo a uma necessidade funcional da democracia; depois, o poder, quer no governo, quer nas autarquias locais, foi um instrumento privilegiado para criar uma base militante e para a reprodução do poder interno. Não menos importante, a sua legitimidade junto dos portugueses assentou, no essencial, em dois factores, em importante medida também partilhados: a melhoria das condições materiais com a democracia e a pertença de Portugal à União Europeia.
No fundo, a falta de enraizamento social dos partidos do bloco central foi compensada por dois tipos de legitimação. Uma que se prendeu com a construção de um Estado social, com acesso universal à saúde e à educação (o que permitiu trajetórias de mobilidade social ascendente) e com um conjunto de benefícios sociais que tornaram a sociedade portuguesa menos pobre. Já a segunda fonte de legitimidade do PS e do PSD remete para o empenho que colocaram no projeto europeu e para os benefícios objectivos que o país teve com a pertença à União Europeia.
Chegados aqui, não é difícil perceber que podemos estar perante um sério problema. Os partidos portugueses tornaram-se sólidos muito por força do Estado social e da integração europeia. Ora se as fontes de legitimidade são postas em causa, arrastadas pelo empobrecimento e pela desorientação política europeia, o mais natural é que os partidos se possam também desfazer no ar.
Neste contexto, como se não bastasse o facto de os pilares em que assentaram os partidos que governaram em Portugal estarem a abalar, a sensação com que se fica é que, para além da incapacidade de se repensarem programaticamente, se encontram manietados por uma oligarquia interna. Podemos bem estar perante uma tempestade perfeita que afecta PS e PSD: sem agenda política, a perderem legitimidade e presos por aparelhos partidários autossuficientes.
Ainda no Manifesto, Marx, a outro propósito, é verdade, chamava a atenção que “todas as relações enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas”, para depois alertar que os homens serão “por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na vida, as suas ligações recíprocas”. O alerta parece feito à medida dos partidos portugueses: ou encaram de outra forma a sua posição ou correm o sério risco de se tonarem irrelevantes, desfazendo-se no ar.
 publicado no Expresso de 16 de Fevereiro

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Comentário sobre o significado político das "Grandôlas"




quarta-feira, fevereiro 20, 2013

A revolta dos paradas


Esqueçam o que a ciência política tem dito sobre declínio da participação política em Portugal. Ao contrário do que se pensa, há por aí um vigor militante que opera subterraneamente. A crer no jornal i, desde as últimas legislativas, os partidos não têm parado de conquistar militantes. Todos viram aumentar o número de filiados, mas o que mais impressiona são os valores para PSD e PS. Com a vitória de Passos Coelho, juntaram-se ao PSD 9900 novos militantes, um valor que, ainda assim, compara mal com os 19552 que se filiaram no PS no último ano e meio.
É interessante procurar saber o que motivou estes milhares de portugueses, numa altura em que a imagem dos partidos anda pelas ruas da amargura. Em todo o caso, esta pujança militante talvez seja, no essencial, importante para revelar como se estrutura hoje o poder partidário.
A ideia de que há uma lógica de reprodução de poder nos aparelhos dos partidos independente do sentimento dos cidadãos não é nova, nem necessariamente negativa. Pode mesmo ser vista como uma lei de ferro do funcionamento dos partidos: estes, para subsistirem, precisam de garantir níveis de coesão interna que requerem algum tipo de fechamento. A questão é, contudo, de grau.
No passado, umas vezes melhor outras pior, os partidos portugueses foram encontrando formas de se sintonizarem com a sociedade e com os grupos sociais que representavam. Hoje, alguma coisa está a mudar. A sensação com que se fica é que o militante de base, em lugar de estar sintonizado com a sociedade, passou a estar em sintonia com o presidente da concelhia à qual pertence, criando-se uma bolha que separa sindicatos de voto e caciques locais do conjunto dos portugueses.
O fenómeno é particularmente visível quando pensamos no poder autárquico e encontra no processo que levou à escolha do candidato do PS à Câmara de Matosinhos um exemplo de manual. Com um presidente em exercício eleito, os socialistas optaram por não patrocinar a sua recandidatura, apoiando a candidatura de António Parada. Ora o que é que qualifica Parada para ser candidato? A resposta é simples: é um grande mobilizador de militantes, traz consigo um verdadeiro sindicato de votos e foi, certamente, um dos grandes angariadores dos tais novos filiados que entraram para os partidos nos últimos tempos.
É claro que sempre houve “Paradas”. A diferença é que, hoje, têm uma ambição que não tinham – passaram a alimentar o sonho de serem ministros -, e, mais importante, é em seu redor que gravita o essencial do poder nos partidos. No passado, os militantes eram muito influenciados pela sociedade e contagiavam as estruturas intermédias dos partidos. Agora, os militantes são controlados pelos “Paradas” que, por sua vez, garantem a reprodução do poder interno, com uma lógica que opera, cada vez mais, de costas voltadas para a sociedade. Esta revolta dos Paradas gera um paradoxo: a manutenção do poder no aparelho depende da criação de “bolhas políticas”, alimentadas por hordas de novos militantes, que são tanto mais eficazes quanto mais imunes ao que o país pensa.
publicado no Expresso de 9 de Fevereiro

domingo, fevereiro 17, 2013

Comentário ao debate quinzenal na SIC-N




terça-feira, fevereiro 12, 2013

De costas voltadas


Existe uma tensão permanente nas escolhas para lideranças dos partidos de Governo. Deve ser a vontade dos militantes a imperar ou o que os potenciais eleitores desejam? Provavelmente um pouco das duas coisas. Em todo o caso, a capacidade de afirmação e a probabilidade de vitória dependem da forma como militantes e sociedade alinham as suas preferências. Neste momento, há sinais de que há uma clivagem entre quem os militantes do PS desejam para líder (António José Seguro) e quem os eleitores do PS queriam ver como candidato a primeiro-ministro (António Costa). 
            Se estivermos apenas perante uma clivagem conjuntural, ultrapassável por uma maior afirmação de Seguro ou por uma vitória interna de Costa, não vem daí mal ao mundo. Se, pelo contrário, estivermos perante a consolidação de um divórcio entre o que pensam os militantes dos partidos e o que ambicionam os eleitores desse mesmo partido, então o problema é mais sério.
Há infelizmente sinais de que partidos e portugueses se encontram, cada vez mais, de costas voltadas. Talvez seja chegada a altura de envolver nas escolhas para lideranças partidárias o conjunto da sociedade. Escolher um candidato a primeiro-ministro é uma questão demasiado importante para ficar circunscrita aos militantes partidários.


comentário à sondagem sobre quem é o melhor secretário-geral para o PS, publicado no Expresso de 9 de Fevereiro

Escolhas online




sexta-feira, fevereiro 08, 2013

Um navio magnífico


Os portugueses olham para os partidos com um misto de desconfiança e desprezo e os partidos empenham-se em dar razão à opinião dos portugueses. Esta semana, o PS resolveu oferecer uma demonstração condensada de quase todos os seus aspectos negativos. Do dramatismo fundado em categorias emocionais até às clivagens políticas assentes em questiúnculas pessoais, passando por uma síntese unitária em clima de assembleia geral de juventude partidária, houve de tudo um pouco. No fim, a sensação com que se ficou é que, no PS de hoje, o tacticismo é a regra e as divergências são, no essencial, artificiais – na medida em que têm pouco de programático e são ultrapassáveis com a dose certa de palmadinhas nas costas.
Talvez o maior equívoco de todos seja o de que os portugueses desconfiam das confrontações e preferem os consensos. Não me parece. O problema não é a vida dos partidos assentar em discordâncias. O problema é a natureza das divisões. Quando as clivagens partem da necessidade de saber o que fazer com o poder, as clarificações não fragilizam. Pelo contrário, reforçam a afirmação dos partidos. Quando o que está em causa são equilíbrios de poder interno, os portugueses olham com desconfiança para um tacticismo que carece de sentido estratégico.
Vale a pena sublinhar que as dificuldades de afirmação que o PS tem tido são fruto de tudo menos de falta de unidade interna. O essencial do problema é de natureza programática e de protagonistas e tem tanto a ver com o passado como com o futuro.
O que fragiliza não é o PS de hoje ser crítico da experiência recente de passagem pelo poder com Sócrates. O que debilita a atual liderança é o silêncio com que geriu a sua relação com o passado, abdicando de criticar o (muito) que havia a criticar e esquecendo-se de enaltecer o (muito) que há que enaltecer. Enquanto os socialistas não fizerem uma clarificação programática retrospectiva não serão capazes de ter uma afirmação prospectiva mobilizadora e que faça diferença quando voltarem ao poder.
A sensação com que se fica é que a geração dirigente de hoje formou-se num contexto político do qual não é capaz de se libertar. Os tempos já não estão para líderes da oposição que se limitam a gerir silêncios, promover consensos internos e esperar que o poder caia de podre. Portugal e a Europa de 2013 são muito diferentes do tempo em que Guterres e Sampaio promoveram uma síntese interna. Além de que, pelo caminho, o lado mais pernicioso da cultura de juventude partidária contaminou irreversivelmente os aparelhos dos partidos.
De tal forma que, após uma comissão política absurda, várias vozes não hesitaram em afirmar que o PS tinha saído reforçado e que se tinha tratado de uma “reunião magnífica”, como se fosse possível esquecer o processo que tinha conduzido até ali e a persistência ensurdecedora dos problemas. De facto, com tanta “unidade” e força para “enfrentar desafios”, o PS faz lembrar o Titanic, um navio imparável e magnífico no momento em que soltou amarras. Sabemos bem para onde se dirigia.
publicado no Expresso de 2 de Fevereiro