A gestão da contestação
A semana começou com uma comunicação do Presidente da República ao país e termina com uma moção de censura do PCP. Em ambos os casos, a contestação ao governo como pano de fundo. A moção do PCP é a expressão institucional da manifestação convocada para o próximo fim-de-semana. Nada de novo: o PCP sempre desempenhou esta função de socialização política da contestação, prejudicando o desenvolvimento de lógicas de negociação, mas evitando, apesar de tudo, o tipo de radicalismo a que assistimos, por exemplo, na Grécia. A outro nível, e em contextos económicos e sociais bem mais favoráveis, essa foi também uma das funções da Presidência da República: em público ou nos bastidores, Soares e Sampaio foram, frequentemente, a válvula de escape do regime, capazes de moderar reacções de interesses sociais afectados e de desbloquear alguns impasses na sociedade. Cavaco não tem sabido desempenhar essa função. Na segunda-feira dirigiu-se pela terceira vez ao país e pela terceira vez escolheu um tema considerado (pelo próprio) menor. Depois do Estatuto dos Açores e das escutas a Belém, desta vez veio justificar a promulgação do casamento gay. Foi uma promulgação mais sonora que muitos vetos, mas que desagradou tanto à sua base eleitoral como aos defensores da lei. Mais uma vez, não alargou o seu espaço político, num discurso em que o efeito da crise apareceu misturado com a "conflitualidade" que a igualdade de acesso ao casamento alegadamente gera. Que, perante isto, a esquerda não esteja com boas perspectivas para as presidenciais diz muito sobre o estado da esquerda. Mas talvez a moção de censura ajude a explicar.
publicado hoje no i.
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