terça-feira, maio 04, 2010

O bloqueio e Alegre

A sondagem publicada pelo DE/TSF no fim-de-semana vem revelar com particular clareza um bloqueio estrutural da política portuguesa: a diferença entre as condições de governabilidade para o centro-direita e para o centro-esquerda.

No estudo da Marktest, um PSD em crescendo conquista com facilidade eleitorado ao CDS; o mesmo não acontece no espectro esquerdo. A única maioria absoluta do PS foi à custa duma posição particularmente frágil do PSD e coexistiu com bons resultados eleitorais para PC e BE. Como se não bastasse, PSD e CDS têm condições programáticas para entendimentos pós-eleitorais, enquanto as divergências entre PS e os partidos à sua esquerda tornam qualquer forma de diálogo impossível. Numa espécie de profecia que se auto-realiza, o PS foi-se cada vez mais consolidando como partido charneira, encontrando na fixação centrista uma forma de responder ao anquilosamento político dos partidos à sua esquerda, que, convém recordar, não encontra paralelo no mundo ocidental.

A candidatura que Manuel Alegre hoje oficializa é, no essencial, uma tentativa para enfrentar o bloqueio estrutural da esquerda portuguesa: apesar de eleitoralmente maioritária é incapaz de garantir condições efectivas de governabilidade. Mas se Alegre, ao contrário do PS de hoje, tem a virtude de tentar enfrentar este bloqueio, infelizmente não contribui estrategicamente para o ultrapassar. Pelo contrário, a sua candidatura pode funcionar como uma espécie de vacina que inviabilize um PS modernizador e ancorado à esquerda.

O principal desafio da social democracia na Europa ocidental é ter uma agenda que faça da sustentabilidade financeira do Estado Providência a sua prioridade política. Ora Alegre, nuns casos colocou-se à margem de todas as discussões sobre este tema que ocorreram em Portugal nas últimas décadas, noutros foi um destacado opositor de medidas que tinham este objectivo. Da diferenciação das prestações familiares ainda com Guterres, passando pela disciplina orçamental no SNS com Correia de Campos e pela introdução do factor de sustentabilidade na segurança social com Vieira da Silva, até à opção pela adaptabilidade externa na reforma da regulação laboral, Alegre ou esteve ausente ou foi porta-voz da oposição política a estas medidas.

Num contexto de austeridade como o que vivemos, o sucesso de Alegre depende mais de libertar-se do conservadorismo de esquerda que tem sido a sua marca distintiva, do que de corrigir o afastamento recente em relação ao seu espaço político de origem. Seria um contributo relevante para a construção de um centro-esquerda capaz de crescer eleitoralmente à esquerda. Pelo contrário, uma candidatura conservadora nos costumes e imobilista nas políticas públicas serve apenas dois objectivos: consolida o bloco político conservador e assegura que o PS encontra na sua ala esquerda, por paradoxal que possa parecer, o melhor dos pretextos para se ir, cada vez mais, descaracterizando ideologicamente.

publicado hoje no Diário Económico.