Presos numa encruzilhada
Nenhum outro processo político europeu revela de forma tão clara a encruzilhada em que se encontra o centro-esquerda como a discussão sobre o novo Pacto Orçamental. Uma encruzilhada que não poderia deixar de ter consequências entre nós e que são agravadas pelo facto de Portugal se encontrar, de facto, sob tutela externa e o pedido de resgate ter ocorrido com um governo do PS.
Não por acaso, a ratificação do Tratado serviu, uma vez mais, para expor a situação em que o PS se encontra. Os socialistas, por força das circunstâncias, não podiam não aprovar o Tratado, do mesmo modo que, se ambicionam ter uma estratégia, não podiam votar favoravelmente. No fundo, o PS estava perante um dilema do qual sairia sempre perdedor e que vai ter custos políticos profundos no médio prazo. Era possível ter feito diferente? Não. Era necessário fazer diferente? Sim.
Apresentado como a componente orçamental que continua a faltar à integração monetária, o Pacto não só não cumpre esse objectivo como consolida uma estratégia política europeia de sentido único. Ao contrário do que foi prática na construção europeia, esta revisão do Tratado não procurou nenhum tipo de síntese ideológica. Ora, convém não esquecer, a integração europeia foi produto de um compromisso histórico entre social-democratas e democratas-cristãos. Este Tratado visa consagrar a hegemonia da direita liberal à custa da capitulação política das restantes mundividências.
Há uma diferença significativa entre um consenso desejável em torno da necessidade de consolidação das contas públicas e uma homogeneização que afasta as possibilidades dos Estados-membros decidirem o modo como alcançam a disciplina orçamental e que tipo de Estado social desejam. As consequências são evidentes: se o Tratado for para levar a sério, os Estados-membros menos desenvolvidos ficam privados dos mecanismos de política económica que tornam possível recuperar atrasos, ao mesmo tempo que continuam a não ter os instrumentos financeiros desejáveis, característicos de um sistema federal. No fundo, alienamos soberania, sem qualquer tipo de contrapartidas.
Ainda assim, há uma réstia de esperança. No essencial, estamos perante uma institucionalização da hipocrisia: não só os preceitos do Tratado não visam responder às dificuldades que enfrenta a zona euro hoje, como não vão ser cumpridos pelos mesmos governos que agora os subscrevem (dos 25 Estados, apenas quatro cumprem, neste momento, o número mágico para o défice estrutural – sendo que Alemanha e França não fazem parte do grupo).
No seu livro póstumo, Thinking the Twentieth Century, Tony Judt, numa conversa com o também historiador Timothy Snyder, deixa-nos uma espécie de lamento céptico: “é provável que, enquanto intelectuais e filósofos políticos, estejamos perante uma situação em que a nossa tarefa principal não é imaginar mundos melhores, mas, antes, pensar como é que podemos prevenir mundos piores”. No fundo, como mostra a discussão política na Europa de hoje, é isso que nos resta.
publicado no Expresso de 14 de Abril