Mais vale tarde do que nunca
Mais vale tarde do que nunca
O Presidente tem dado sinais de que finalmente compreendeu a natureza da crise e as suas manifestações em Portugal. As intervenções sobre política europeia e, esta semana, as críticas à política orçamental são um virar de página.
Com consequências políticas imediatas. Cavaco Silva ocupou o espaço deixado vago por uma oposição hesitante e tornou legítimas as críticas ao orçamento. O que era até há dias uma inevitabilidade, passou a ser passível de ser criticado.
O apelo a uma maior equidade no esforço de consolidação foi a face mais visível das críticas, mas não é o aspecto mais relevante do que foi dito. Cavaco Silva sugeriu que se deveria aliviar um pouco a função pública e distribuir mais os sacrifícios – uma opção à qual o PS está amarrado, pois foi seguida pelo Governo anterior. No essencial, questionou toda a estratégia de consolidação: em primeiro lugar, reiterando um diagnóstico sobre o que nos trouxe até aqui; em segundo, alertando para os riscos estruturais dos pressupostos em que assenta a política orçamental do Governo.
Depois de ter sublinhado o carácter sistémico da crise do euro, o Presidente chamou a atenção para a incapacidade de a economia portuguesa se tornar competitiva no quadro da união monetária. No fundo, estamos como estamos não por “culpa de Sócrates” – a explicação simplista – mas por não nos termos adaptado a um novo contexto, que aliás tinha incentivos perversos. As responsabilidades são naturalmente mais complexas do que por oportunismo eleitoral nos quiseram fazer crer.
Ainda assim, onde o aviso do Presidente é mais contundente, com réplicas que se sentirão ao longo de 2012, é quando diz que “ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis”. Nada de mais verdadeiro. Portugal prepara-se para aplicar a receita que a Grécia levou a cabo em 2011: cortes na função pública e nas pensões em redor de 15% e aumento generalizado da carga fiscal. Há um ano, a Grécia projectava uma recessão de -2,6%. Hoje, tudo aponta para que o PIB caia 5,5%. Entretanto, o défice disparou e foram exigidas mais medidas.
Perante este cenário, a opção de Vítor Gaspar é intensificar a estratégia seguida até aqui, com um optimismo cego em relação aos efeitos recessivos dos cortes. Acontece que o orçamento para 2011 não era exequível, do mesmo modo que o memorando assenta em pressupostos errados e este orçamento só agrava estes problemas. O que nos traz de novo a Cavaco Silva. O Presidente tem inteira razão, mas ainda não extraiu um corolário lógico do seu discurso. Um político realista estaria a lutar pela reavaliação do memorando e a renegociar os prazos da sua aplicação. Todas as alternativas a esta opção assentam num voluntarismo ideológico contraproducente. Agora, o governo ainda pode responsabilizar Sócrates, daqui a um ano estará na mesmo lugar, mas em pior situação orçamental e sem poder recorrer ao bode expiatório que agora está mesmo à mão de semear. Já em Portugal, estaremos mais pobres e sem termos resolvido o problema da dívida e do défice.
publicado no Expresso de 22 de Outubro
O Presidente tem dado sinais de que finalmente compreendeu a natureza da crise e as suas manifestações em Portugal. As intervenções sobre política europeia e, esta semana, as críticas à política orçamental são um virar de página.
Com consequências políticas imediatas. Cavaco Silva ocupou o espaço deixado vago por uma oposição hesitante e tornou legítimas as críticas ao orçamento. O que era até há dias uma inevitabilidade, passou a ser passível de ser criticado.
O apelo a uma maior equidade no esforço de consolidação foi a face mais visível das críticas, mas não é o aspecto mais relevante do que foi dito. Cavaco Silva sugeriu que se deveria aliviar um pouco a função pública e distribuir mais os sacrifícios – uma opção à qual o PS está amarrado, pois foi seguida pelo Governo anterior. No essencial, questionou toda a estratégia de consolidação: em primeiro lugar, reiterando um diagnóstico sobre o que nos trouxe até aqui; em segundo, alertando para os riscos estruturais dos pressupostos em que assenta a política orçamental do Governo.
Depois de ter sublinhado o carácter sistémico da crise do euro, o Presidente chamou a atenção para a incapacidade de a economia portuguesa se tornar competitiva no quadro da união monetária. No fundo, estamos como estamos não por “culpa de Sócrates” – a explicação simplista – mas por não nos termos adaptado a um novo contexto, que aliás tinha incentivos perversos. As responsabilidades são naturalmente mais complexas do que por oportunismo eleitoral nos quiseram fazer crer.
Ainda assim, onde o aviso do Presidente é mais contundente, com réplicas que se sentirão ao longo de 2012, é quando diz que “ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis”. Nada de mais verdadeiro. Portugal prepara-se para aplicar a receita que a Grécia levou a cabo em 2011: cortes na função pública e nas pensões em redor de 15% e aumento generalizado da carga fiscal. Há um ano, a Grécia projectava uma recessão de -2,6%. Hoje, tudo aponta para que o PIB caia 5,5%. Entretanto, o défice disparou e foram exigidas mais medidas.
Perante este cenário, a opção de Vítor Gaspar é intensificar a estratégia seguida até aqui, com um optimismo cego em relação aos efeitos recessivos dos cortes. Acontece que o orçamento para 2011 não era exequível, do mesmo modo que o memorando assenta em pressupostos errados e este orçamento só agrava estes problemas. O que nos traz de novo a Cavaco Silva. O Presidente tem inteira razão, mas ainda não extraiu um corolário lógico do seu discurso. Um político realista estaria a lutar pela reavaliação do memorando e a renegociar os prazos da sua aplicação. Todas as alternativas a esta opção assentam num voluntarismo ideológico contraproducente. Agora, o governo ainda pode responsabilizar Sócrates, daqui a um ano estará na mesmo lugar, mas em pior situação orçamental e sem poder recorrer ao bode expiatório que agora está mesmo à mão de semear. Já em Portugal, estaremos mais pobres e sem termos resolvido o problema da dívida e do défice.
publicado no Expresso de 22 de Outubro