Custa a perceber
Custa a perceber
4 de Fevereiro de 2010. Numa comunicação ao país em tom grave, Teixeira dos Santos apela aos partidos para que, no dia seguinte no parlamento, não aprovem um conjunto de alterações à Lei das Finanças Regionais. Para o ministro das finanças, o que estava em causa era suficientemente grave. Num contexto em que Portugal tinha necessidade imperiosa de controlar o endividamento, "não faz qualquer sentido que as regiões autónomas, em particular o Governo Regional da Madeira, vejam aumentadas as transferências que recebem do Orçamento do Estado e vejam alargadas as condições para se endividarem ainda mais". No dia seguinte, PSD e CDS, coligados com PCP e BE, votariam favoravelmente as alterações à lei. Em finais de Agosto deste ano, começou a ser conhecido o buraco financeiro na Madeira, bem como o conjunto de violações grosseiras do Estado de direito cometidas pelo Governo Regional para ocultar a voragem da dívida.
23 de Março de 2011. O Parlamento chumba em bloco o PEC IV. Para Passos Coelho, o novo pacote de austeridade era inaceitável porque “se limitava a pedir sacrifícios redobrados aos portugueses”. Desde Junho, o Governo apresentou três subidas de impostos e nenhum corte nas “gorduras do Estado”, as tais que não acarretariam mais sacrifícios para os portugueses. Hoje, de facto, estamos no PEC VII, sem que se conheça qualquer “desvio colossal” que o justifique, para além do efeito combinado da ocultação das contas da Madeira e do caso de polícia que é o BPN. Entretanto, esta semana, na primeira entrevista desde que tomou posse, Passos Coelho revelou que “as despesas públicas em saúde, em educação, nos apoios sociais (...) somam grande parte dos impostos” e que, por isso, “não é possível fazer no curto prazo uma reestruturação da despesa”. No fundo, duas constatações elementares que nunca haviam ocorrido a alguém que andava há décadas a preparar-se para ser primeiro-ministro.
8 de Maio de 2011. A desvalorização fiscal é apresentada no programa eleitoral do PSD como solução milagrosa para aumentar a competitividade da economia portuguesa. A crer em Passos Coelho, o PSD tinha estudos que permitiriam diminuir a TSU e encontrar soluções compensatórias para a diminuição de receitas da segurança social. Álvaro Santos Pereira defendia mesmo “uma descida substancial da TSU em 10 ou 20 pontos percentuais”. Depois de Vítor Gaspar ter desvalorizado um par de vezes a viabilidade de uma descida eficaz da TSU, Passos Coelho, ainda na entrevista à RTP, sublinha que se trata de um compromisso constante do memorando de entendimento. O que era um ‘game changer’ para a nossa economia, passou a ser apenas mais uma medida que temos de aplicar porque a isso somos obrigados.
Custa muito a perceber a razão por que os candidatos a primeiro-ministro se empenham em fragilizar as condições em que mais tarde vão exercer o cargo. Infelizmente, nunca saberemos se o fazem movidos por puro eleitoralismo ou se se trata apenas de impreparação.
publicado no Expresso de 24 de Setembro
4 de Fevereiro de 2010. Numa comunicação ao país em tom grave, Teixeira dos Santos apela aos partidos para que, no dia seguinte no parlamento, não aprovem um conjunto de alterações à Lei das Finanças Regionais. Para o ministro das finanças, o que estava em causa era suficientemente grave. Num contexto em que Portugal tinha necessidade imperiosa de controlar o endividamento, "não faz qualquer sentido que as regiões autónomas, em particular o Governo Regional da Madeira, vejam aumentadas as transferências que recebem do Orçamento do Estado e vejam alargadas as condições para se endividarem ainda mais". No dia seguinte, PSD e CDS, coligados com PCP e BE, votariam favoravelmente as alterações à lei. Em finais de Agosto deste ano, começou a ser conhecido o buraco financeiro na Madeira, bem como o conjunto de violações grosseiras do Estado de direito cometidas pelo Governo Regional para ocultar a voragem da dívida.
23 de Março de 2011. O Parlamento chumba em bloco o PEC IV. Para Passos Coelho, o novo pacote de austeridade era inaceitável porque “se limitava a pedir sacrifícios redobrados aos portugueses”. Desde Junho, o Governo apresentou três subidas de impostos e nenhum corte nas “gorduras do Estado”, as tais que não acarretariam mais sacrifícios para os portugueses. Hoje, de facto, estamos no PEC VII, sem que se conheça qualquer “desvio colossal” que o justifique, para além do efeito combinado da ocultação das contas da Madeira e do caso de polícia que é o BPN. Entretanto, esta semana, na primeira entrevista desde que tomou posse, Passos Coelho revelou que “as despesas públicas em saúde, em educação, nos apoios sociais (...) somam grande parte dos impostos” e que, por isso, “não é possível fazer no curto prazo uma reestruturação da despesa”. No fundo, duas constatações elementares que nunca haviam ocorrido a alguém que andava há décadas a preparar-se para ser primeiro-ministro.
8 de Maio de 2011. A desvalorização fiscal é apresentada no programa eleitoral do PSD como solução milagrosa para aumentar a competitividade da economia portuguesa. A crer em Passos Coelho, o PSD tinha estudos que permitiriam diminuir a TSU e encontrar soluções compensatórias para a diminuição de receitas da segurança social. Álvaro Santos Pereira defendia mesmo “uma descida substancial da TSU em 10 ou 20 pontos percentuais”. Depois de Vítor Gaspar ter desvalorizado um par de vezes a viabilidade de uma descida eficaz da TSU, Passos Coelho, ainda na entrevista à RTP, sublinha que se trata de um compromisso constante do memorando de entendimento. O que era um ‘game changer’ para a nossa economia, passou a ser apenas mais uma medida que temos de aplicar porque a isso somos obrigados.
Custa muito a perceber a razão por que os candidatos a primeiro-ministro se empenham em fragilizar as condições em que mais tarde vão exercer o cargo. Infelizmente, nunca saberemos se o fazem movidos por puro eleitoralismo ou se se trata apenas de impreparação.
publicado no Expresso de 24 de Setembro
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