Portem-se bem
Inspirado pela violência urbana em Londres e pelo espectro de instabilidade social que tem acompanhado a austeridade grega, Passos Coelho, no discurso do Pontal, apelou aos parceiros sociais para que não seguissem “o caminho da conflitualidade” pois “o mundo tem os olhos postos em nós”. No fundo, o primeiro-ministro está a reconhecer que os sindicatos têm um papel fulcral no controlo da conflitualidade. Mas, convenhamos, a função do movimento sindical não é propriamente a de guardião da paz social.
A ideia tem, contudo, ecos profundos. Entre nós, ao longo do século XX, o movimento sindical de inspiração comunista anulou, com mão de ferro, qualquer veleidade anarco-sindicalista. Este facto, ao mesmo tempo que nos afasta do padrão de insurgência urbana que caracteriza, por exemplo, a Grécia, teve consequências bem negativas. Enquanto a cedência do PCP à democracia representativa serviu para institucionalizar no parlamento a conflitualidade política, a CGTP foi fazendo o mesmo para a conflitualidade social e laboral. O preço a pagar foi a aceitação de que, no diálogo político e social, Portugal teria dois “corpos” escassamente disponíveis para as soluções políticas e para a concertação. No fundo, o trade-off do contrato não escrito entre poder político e movimento sindical português era simples: “vocês controlam as massas, mas não contamos convosco para quase mais nada”.
Faz, por isso, sentido o apelo de Passos Coelho, mas estamos perante uma profecia que, enquanto se auto-realiza, terá efeitos negativos. Depois de com o Governo Sócrates termos tido um período em que importantes acordos na concertação coexistiam com uma retórica que via em alguns sindicatos uma excrescência pré-moderna, recuperamos, agora, a figura do “sindicato polícia”. Ambas as visões políticas cristalizam o papel do movimento sindical, ora como organização conservadora, indisponível para o diálogo, ora como esfera de controlo social, incapaz de lidar com os outsiders.
Estas concepções têm consequências: não só não dão nenhum contributo sustentável para a paz social, como não fazem dos sindicatos parceiros para os ajustamentos que Portugal precisa de fazer.
A paz social, em particular em contextos de austeridade, tem naturalmente de envolver os sindicatos, mas, no essencial, depende de maior equidade na distribuição dos sacrifícios. A este propósito, vale a pena tomar atenção ao que Nouriel Roubini disse, esta semana, em entrevista ao Wall Street Journal. Ao mesmo tempo que chamava a atenção para o processo em curso de auto-destruição do capitalismo, o economista que “previu” crise do sub-prime, sublinhava que estamos a assistir a uma redistribuição maciça do trabalho para o capital, dos salários para os lucros, o que tem gerado aumento da desigualdade de rendimentos.
Se a Europa e o Governo português escolhessem um caminho de maior equidade, talvez não temessem a instabilidade na rua e não precisassem de apelar aos sindicatos para se portarem bem. Como se não bastasse tudo o resto, os governos europeus parecem preferir o policiamento à solidariedade.
publicado no Expresso de 20 de Agosto
A ideia tem, contudo, ecos profundos. Entre nós, ao longo do século XX, o movimento sindical de inspiração comunista anulou, com mão de ferro, qualquer veleidade anarco-sindicalista. Este facto, ao mesmo tempo que nos afasta do padrão de insurgência urbana que caracteriza, por exemplo, a Grécia, teve consequências bem negativas. Enquanto a cedência do PCP à democracia representativa serviu para institucionalizar no parlamento a conflitualidade política, a CGTP foi fazendo o mesmo para a conflitualidade social e laboral. O preço a pagar foi a aceitação de que, no diálogo político e social, Portugal teria dois “corpos” escassamente disponíveis para as soluções políticas e para a concertação. No fundo, o trade-off do contrato não escrito entre poder político e movimento sindical português era simples: “vocês controlam as massas, mas não contamos convosco para quase mais nada”.
Faz, por isso, sentido o apelo de Passos Coelho, mas estamos perante uma profecia que, enquanto se auto-realiza, terá efeitos negativos. Depois de com o Governo Sócrates termos tido um período em que importantes acordos na concertação coexistiam com uma retórica que via em alguns sindicatos uma excrescência pré-moderna, recuperamos, agora, a figura do “sindicato polícia”. Ambas as visões políticas cristalizam o papel do movimento sindical, ora como organização conservadora, indisponível para o diálogo, ora como esfera de controlo social, incapaz de lidar com os outsiders.
Estas concepções têm consequências: não só não dão nenhum contributo sustentável para a paz social, como não fazem dos sindicatos parceiros para os ajustamentos que Portugal precisa de fazer.
A paz social, em particular em contextos de austeridade, tem naturalmente de envolver os sindicatos, mas, no essencial, depende de maior equidade na distribuição dos sacrifícios. A este propósito, vale a pena tomar atenção ao que Nouriel Roubini disse, esta semana, em entrevista ao Wall Street Journal. Ao mesmo tempo que chamava a atenção para o processo em curso de auto-destruição do capitalismo, o economista que “previu” crise do sub-prime, sublinhava que estamos a assistir a uma redistribuição maciça do trabalho para o capital, dos salários para os lucros, o que tem gerado aumento da desigualdade de rendimentos.
Se a Europa e o Governo português escolhessem um caminho de maior equidade, talvez não temessem a instabilidade na rua e não precisassem de apelar aos sindicatos para se portarem bem. Como se não bastasse tudo o resto, os governos europeus parecem preferir o policiamento à solidariedade.
publicado no Expresso de 20 de Agosto
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