Um pouco mais de política
Em Novembro de 2010, Cavaco Silva afirmava que “não valia a pena recriminar as agências de rating”. Entretanto, o mundo mudou, e as mesmas agências tornaram-se uma “ameaça”. Quando confrontado com a gritante contradição entre as sua declarações, o Presidente da República recomendou “àqueles que sofrem de ignorância na análise, um pouco mais de estudo”.
Foi o que procurei fazer e comecei pelos discursos do Presidente. Focando-me apenas neste mandato, optei por ler as intervenções mais relevantes, procurando apurar o que Cavaco Silva pensa sobre a Europa e a crise das dividas soberanas - também com a expectativa de encontrar alguma reflexão sobre agências de rating. Para minha perplexidade, nos sete discursos de natureza eminentemente política feitos pelo Presidente, a crise internacional e o modo como esta desafia o projecto de integração e a zona Euro é um tema entre o ausente e o marginal.
Ao longo das intervenções de Cavaco Silva encontramos descrições detalhadas do cenário de “emergência económica e financeira”; justas preocupações com a instabilidade política como ameaça ao cumprimento do acordo com a troika; defesa da concertação social para além das maiorias políticas; apelos a um discurso de verdade durante a campanha eleitoral; definição dos objectivos que não podemos falhar nos próximos anos; e até a afirmação de que “há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos” – uma declaração estranha, tendo em conta que a verdade é que os pacotes de austeridade tenderão a suceder-se. Cavaco Silva não só nacionalizou integralmente a crise, como, sobre a Europa, abdicou de expressar em público a sua opinião, com isso demitindo-se de fazer alguma pedagogia que permitisse aos portugueses “ver mais além do que a política do dia-a-dia” (para utilizar uma expressão do discurso do 10 de Junho).
Se foi preciso esperar pela mudança de governo para se alargar o consenso nacional em torno da necessidade de uma resposta europeia à crise da dívida soberana e expor-se as perversidades das agências de rating, a única coisa que se pode dizer é que mais vale tarde do que nunca. Contudo, chegados aqui, era importante que se colocasse fim ao euroconformismo que tem reinado e ao suicídio político que é continuarmos a adoptar, de modo acrítico, a atitude de bons alunos. Hoje, sucessivos pacotes de austeridade de base nacional sem uma solução europeia são contraproducentes.
Esta mudança exige, contudo, que o Presidente da República abandone o registo de mestre-escola que adopta sempre que se sente acossado. É no mínimo estranho que o político profissional no activo há mais tempo olhe invariavelmente para a divergência política como uma impossibilidade e reduza toda a conflitualidade a uma questão de mais ou menos “estudo”. A crise europeia com as suas ramificações nacionais é um assunto político, a necessitar de respostas políticas. E na política, parafraseando Cavaco Silva, duas pessoas sérias com a mesma informação não têm de concordar. Bem pelo contrário.
publicado no Expresso de 16 de Julho
Foi o que procurei fazer e comecei pelos discursos do Presidente. Focando-me apenas neste mandato, optei por ler as intervenções mais relevantes, procurando apurar o que Cavaco Silva pensa sobre a Europa e a crise das dividas soberanas - também com a expectativa de encontrar alguma reflexão sobre agências de rating. Para minha perplexidade, nos sete discursos de natureza eminentemente política feitos pelo Presidente, a crise internacional e o modo como esta desafia o projecto de integração e a zona Euro é um tema entre o ausente e o marginal.
Ao longo das intervenções de Cavaco Silva encontramos descrições detalhadas do cenário de “emergência económica e financeira”; justas preocupações com a instabilidade política como ameaça ao cumprimento do acordo com a troika; defesa da concertação social para além das maiorias políticas; apelos a um discurso de verdade durante a campanha eleitoral; definição dos objectivos que não podemos falhar nos próximos anos; e até a afirmação de que “há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos” – uma declaração estranha, tendo em conta que a verdade é que os pacotes de austeridade tenderão a suceder-se. Cavaco Silva não só nacionalizou integralmente a crise, como, sobre a Europa, abdicou de expressar em público a sua opinião, com isso demitindo-se de fazer alguma pedagogia que permitisse aos portugueses “ver mais além do que a política do dia-a-dia” (para utilizar uma expressão do discurso do 10 de Junho).
Se foi preciso esperar pela mudança de governo para se alargar o consenso nacional em torno da necessidade de uma resposta europeia à crise da dívida soberana e expor-se as perversidades das agências de rating, a única coisa que se pode dizer é que mais vale tarde do que nunca. Contudo, chegados aqui, era importante que se colocasse fim ao euroconformismo que tem reinado e ao suicídio político que é continuarmos a adoptar, de modo acrítico, a atitude de bons alunos. Hoje, sucessivos pacotes de austeridade de base nacional sem uma solução europeia são contraproducentes.
Esta mudança exige, contudo, que o Presidente da República abandone o registo de mestre-escola que adopta sempre que se sente acossado. É no mínimo estranho que o político profissional no activo há mais tempo olhe invariavelmente para a divergência política como uma impossibilidade e reduza toda a conflitualidade a uma questão de mais ou menos “estudo”. A crise europeia com as suas ramificações nacionais é um assunto político, a necessitar de respostas políticas. E na política, parafraseando Cavaco Silva, duas pessoas sérias com a mesma informação não têm de concordar. Bem pelo contrário.
publicado no Expresso de 16 de Julho
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