Porto de abrigo
O poder na Europa de hoje queima. Para onde quer que olhemos, os partidos que estão no Governo, independentemente da cor política, são dizimados eleitoralmente. Foi assim no Reino Unido há um ano, em Espanha há semanas, em Itália há dias e na Alemanha nas sucessivas eleições regionais. Com as economias deprimidas, o desemprego em alta, a União Europeia paralisada e os Governos nacionais impotentes para gerir a crise, não é difícil perceber as razões para que tal aconteça. O que é insólito é que, contrariamente ao que se passa um pouco por toda a Europa, a tendência aparenta não ter a mesma intensidade em Portugal. Tudo indica que o PS não só não será varrido eleitoralmente como, no mínimo, resistirá, podendo até vencer as eleições do próximo Domingo.
Em importante medida, a resistência eleitoral dos socialistas é explicável pela inépcia e impreparação políticas, combinadas com descentramento ideológico, que o PSD de Passos Coelho tem revelado. Contudo, não estamos perante razões suficientes.
Muito provavelmente, o factor decisivo para que o PS se mantenha eleitoralmente competitivo é que é, de novo, um partido charneira, alinhado programática e ideologicamente com o eleitorado central português. A combinação de preocupação com a modernização da economia (“choque tecnológico”), capacidade de disciplinar as contas públicas (resultados do défice antes da crise) e investimento na modernização do Estado social (“nova geração de políticas sociais” e “novas oportunidades”) recentrou o PS e é a razão pela qual, mesmo com o fracasso que representa o pedido de resgate financeiro, os socialistas não serão penalizados eleitoralmente de forma irremediável. Ao que acresce que a capacidade revelada para enfrentar interesses corporativos –frequentemente vista como um factor de impopularidade do Governo – é, de facto, uma mais-valia, em especial num contexto em que a necessidade de medidas de austeridade está incorporada.
Sócrates pode ter falhado na gestão da crise internacional, tendo sido incapaz de fazer pedagogia sobre os sacrifícios, optando por uma gestão optimista das expectativas que, tendo racionalidade, descambou frequentemente num irrealismo com fraca aderência à vida das pessoas; o Governo pode ter revelado instabilidade programática, fazendo inversões de trajectória que sugerem uma ancoragem política feita ao sabor dos ventos; e o PS pode ser hoje um partido charneira, mas, paradoxalmente, incapaz de se coligar à direita ou à esquerda (no caso, essencialmente por culpa da esquerda radical parlamentar). Tudo isto pode ser verdade, mas, hoje, o voto no PS funciona como uma espécie de porto de abrigo face à incerteza que se anuncia com o PSD de Passos Coelho, que optou objectivamente por utilizar a crise como pretexto para impor uma terapia liberal que mudará a paisagem política portuguesa. O que explica que nestas eleições, talvez como em nenhumas outras, para uma grande fatia do eleitorado, seja verdadeiro o velho slogan de Alexandre O’Neill: “ele não merece, mas vota no PS”.
publicado no Expresso de 3 de Junho
Em importante medida, a resistência eleitoral dos socialistas é explicável pela inépcia e impreparação políticas, combinadas com descentramento ideológico, que o PSD de Passos Coelho tem revelado. Contudo, não estamos perante razões suficientes.
Muito provavelmente, o factor decisivo para que o PS se mantenha eleitoralmente competitivo é que é, de novo, um partido charneira, alinhado programática e ideologicamente com o eleitorado central português. A combinação de preocupação com a modernização da economia (“choque tecnológico”), capacidade de disciplinar as contas públicas (resultados do défice antes da crise) e investimento na modernização do Estado social (“nova geração de políticas sociais” e “novas oportunidades”) recentrou o PS e é a razão pela qual, mesmo com o fracasso que representa o pedido de resgate financeiro, os socialistas não serão penalizados eleitoralmente de forma irremediável. Ao que acresce que a capacidade revelada para enfrentar interesses corporativos –frequentemente vista como um factor de impopularidade do Governo – é, de facto, uma mais-valia, em especial num contexto em que a necessidade de medidas de austeridade está incorporada.
Sócrates pode ter falhado na gestão da crise internacional, tendo sido incapaz de fazer pedagogia sobre os sacrifícios, optando por uma gestão optimista das expectativas que, tendo racionalidade, descambou frequentemente num irrealismo com fraca aderência à vida das pessoas; o Governo pode ter revelado instabilidade programática, fazendo inversões de trajectória que sugerem uma ancoragem política feita ao sabor dos ventos; e o PS pode ser hoje um partido charneira, mas, paradoxalmente, incapaz de se coligar à direita ou à esquerda (no caso, essencialmente por culpa da esquerda radical parlamentar). Tudo isto pode ser verdade, mas, hoje, o voto no PS funciona como uma espécie de porto de abrigo face à incerteza que se anuncia com o PSD de Passos Coelho, que optou objectivamente por utilizar a crise como pretexto para impor uma terapia liberal que mudará a paisagem política portuguesa. O que explica que nestas eleições, talvez como em nenhumas outras, para uma grande fatia do eleitorado, seja verdadeiro o velho slogan de Alexandre O’Neill: “ele não merece, mas vota no PS”.
publicado no Expresso de 3 de Junho
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