O inferno é a Europa
Quando há umas semanas Cavaco Silva corrigia os portugueses dizendo que já não se dizia FMI, mas FEEF, estava, no seu tom professoral, a tocar numa questão nevrálgica. Hoje, o inferno deixou de ser, como no passado, o FMI e passou a ser o fundo europeu de estabilização financeira. Não é por isso surpreendente que, na negociação do nosso resgate, o FMI queira um empréstimo mais dilatado, com juros mais baixos, de modo a atenuar os efeitos recessivos do pacote financeiro, enquanto a Europa prossegue a sua cruzada moral, com juros mais elevados e prazos mais curtos, sem cuidar dos efeitos económicos das suas exigências.
Ainda a semana passada, o director do FMI, Strauss-Kahn, chamava a atenção para a necessidade de ajustamentos orçamentais sensíveis ao emprego e à distribuição de rendimentos, alicerces da prosperidade económica e da estabilidade política. Enquanto o FMI muda, a Europa encontra-se politicamente fragmentada, com uma economia em cacos e um sistema financeiro que não resistirá a nenhum teste de stress sério. O que trouxe a Europa até aqui não foi nenhum desvio moral, mas problemas na arquitetura institucional do Euro que, enquanto dificultaram a modernização das economias periféricas, incentivaram comportamentos patológicos, aos quais nem Governos, nem sector financeiro souberam ou quiseram responder. A criação de um mercado comum, primeiro, e de uma moeda única, depois, sem política orçamental coordenada e sem integração política, foi uma tentativa de construir um arranha-céus sem fundações. Uma vez chegada a intempérie, a opção tem sido deixar ruir o edifício, em lugar de reforçar as fundações. Estamos a ver os primeiros andares a ruírem um a um.
A situação em que a Europa se encontra não é independente de duas mudanças estruturais na política alemã: por um lado, a ancoragem no Ocidente, que durava desde Adenauer, foi-se diluindo, sendo substituída por uma maior atenção ao Leste, culminando num afastamento face aos aliados das últimas décadas (veja-se a votação na ONU em relação à intervenção na Líbia); por outro, a chegada ao poder da primeira geração de líderes sem memória política da guerra e da reconstrução (Schröder e Merkel).
Este novo contexto torna a crise atual particularmente difícil de enfrentar. Se compararmos o que se passa hoje com o que aconteceu, por exemplo, no início da década de oitenta, não temos condições políticas favoráveis nos vários Estados-membros a uma resposta comum (como se vê com as eleições na Finlândia), temos um problema de lideranças (basta comparar Mitterrand, Kohl e Delors com Sarkozy, Merkel e Barroso) e, acima de tudo, não se vislumbra nenhum projecto político mobilizador, que funcione como saída para a crise (um equivalente funcional ao mercado único). Chegados aqui, a Europa parece estar condenada a tornar-se num inferno, que está a começar pelo anúncio de um longo purgatório para os países periféricos. O que revela que a única forma de salvar o projecto europeu talvez passe pela mobilização em torno da evolução para um sistema federal.
publicado na edição de 22 de Abril do Expresso
Ainda a semana passada, o director do FMI, Strauss-Kahn, chamava a atenção para a necessidade de ajustamentos orçamentais sensíveis ao emprego e à distribuição de rendimentos, alicerces da prosperidade económica e da estabilidade política. Enquanto o FMI muda, a Europa encontra-se politicamente fragmentada, com uma economia em cacos e um sistema financeiro que não resistirá a nenhum teste de stress sério. O que trouxe a Europa até aqui não foi nenhum desvio moral, mas problemas na arquitetura institucional do Euro que, enquanto dificultaram a modernização das economias periféricas, incentivaram comportamentos patológicos, aos quais nem Governos, nem sector financeiro souberam ou quiseram responder. A criação de um mercado comum, primeiro, e de uma moeda única, depois, sem política orçamental coordenada e sem integração política, foi uma tentativa de construir um arranha-céus sem fundações. Uma vez chegada a intempérie, a opção tem sido deixar ruir o edifício, em lugar de reforçar as fundações. Estamos a ver os primeiros andares a ruírem um a um.
A situação em que a Europa se encontra não é independente de duas mudanças estruturais na política alemã: por um lado, a ancoragem no Ocidente, que durava desde Adenauer, foi-se diluindo, sendo substituída por uma maior atenção ao Leste, culminando num afastamento face aos aliados das últimas décadas (veja-se a votação na ONU em relação à intervenção na Líbia); por outro, a chegada ao poder da primeira geração de líderes sem memória política da guerra e da reconstrução (Schröder e Merkel).
Este novo contexto torna a crise atual particularmente difícil de enfrentar. Se compararmos o que se passa hoje com o que aconteceu, por exemplo, no início da década de oitenta, não temos condições políticas favoráveis nos vários Estados-membros a uma resposta comum (como se vê com as eleições na Finlândia), temos um problema de lideranças (basta comparar Mitterrand, Kohl e Delors com Sarkozy, Merkel e Barroso) e, acima de tudo, não se vislumbra nenhum projecto político mobilizador, que funcione como saída para a crise (um equivalente funcional ao mercado único). Chegados aqui, a Europa parece estar condenada a tornar-se num inferno, que está a começar pelo anúncio de um longo purgatório para os países periféricos. O que revela que a única forma de salvar o projecto europeu talvez passe pela mobilização em torno da evolução para um sistema federal.
publicado na edição de 22 de Abril do Expresso
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