Quem é que estava à rasca?
Há semanas, o país foi assolado por uma onda de comoção: a manifestação da ‘geração à rasca’ era a expressão de uma sociedade em que os mais velhos haviam capturado um conjunto de regalias, bloqueando as aspirações dos jovens. Com a consistência programática que os caracteriza, os partidos colaram-se às reivindicações dos manifestantes. O PS foi o único a destoar, mas o mais provável é que isso se deva ao realismo que contagia quem está no poder.
No entanto, não foi preciso muito tempo para que os partidos tenham deitado fora as preocupações que tão solenemente haviam feito suas. Se pensarmos bem, foram os cortes nas pensões que serviram para ilustrar a injustiça do novo PEC. Acontece que o que o PEC IV propunha para as pensões era o mesmo que havia sido feito para os salários. O que faz sentido: no contexto da dieta rigorosa que temos de aplicar, não se percebe por que razão os rendimentos do trabalho eram cortados e as prestações substitutivas do trabalho ficavam à margem da austeridade. Afinal, esta discriminação positiva dos pensionistas face aos trabalhadores não passa de um reforço da redistribuição desigual de recursos ao longo do ciclo de vida – o tal mecanismo que deixa os jovens “à rasca”.
Ora o ‘ai, ai, ai, ai’ que se gerou em torno dos cortes das pensões foi o que desencadeou a crise política surreal que vivemos. De tal modo que o PSD, depois de meses e meses a insurgir-se contra subidas de impostos, logo se apressou a trocar os cortes nas pensões por um aumento do IVA. Para quem defendia redistribuição a favor da ‘geração à rasca’, estamos conversados.
O tema das pensões é terreno fértil para todas as demagogias. Vale a pena recordar duas coisas.
Havendo grande concentração de pobreza entre os pensionistas, nem todos os reformados com pensões baixas são pobres. Pelo contrário, por força da deslegitimação, que durou décadas, dos descontos para a segurança social, muitos deles encontraram formas de poupança que explicam que, hoje, o seu rendimento disponível seja superior. Ao mesmo tempo que muitos reformados acumulam pensões, nomeadamente por terem feito descontos como emigrantes.
Não faz sentido tomar o valor das pensões mínimas como sendo o rendimento dos pensionistas pobres. Com a introdução do completamento solidário para idosos, os pensionistas com rendimentos inferiores a 419 euros têm uma prestação diferencial que perfaz esse montante (sim, é muito pouco). Aliás, hoje, as pensões mínimas não sujeitas a condição de recursos são mecanismos de reprodução de desigualdades – o que justificaria que, por exemplo, se acabasse com a pensão social.
Se o discurso da redistribuição de recursos a favor dos jovens é para ser levado a sério, era bom debater seriamente as pensões (nomeadamente as não contributivas), em lugar de se embarcar numa espiral de demagogia desbragada a que ninguém resiste. Mas a explicação para que isso aconteça é singela: os pensionistas votam, os ‘jovens à rasca’ deixam-se ficar em casa. Enquanto assim for, não esperem muito.
publicado no Expresso de 2 de Abril
No entanto, não foi preciso muito tempo para que os partidos tenham deitado fora as preocupações que tão solenemente haviam feito suas. Se pensarmos bem, foram os cortes nas pensões que serviram para ilustrar a injustiça do novo PEC. Acontece que o que o PEC IV propunha para as pensões era o mesmo que havia sido feito para os salários. O que faz sentido: no contexto da dieta rigorosa que temos de aplicar, não se percebe por que razão os rendimentos do trabalho eram cortados e as prestações substitutivas do trabalho ficavam à margem da austeridade. Afinal, esta discriminação positiva dos pensionistas face aos trabalhadores não passa de um reforço da redistribuição desigual de recursos ao longo do ciclo de vida – o tal mecanismo que deixa os jovens “à rasca”.
Ora o ‘ai, ai, ai, ai’ que se gerou em torno dos cortes das pensões foi o que desencadeou a crise política surreal que vivemos. De tal modo que o PSD, depois de meses e meses a insurgir-se contra subidas de impostos, logo se apressou a trocar os cortes nas pensões por um aumento do IVA. Para quem defendia redistribuição a favor da ‘geração à rasca’, estamos conversados.
O tema das pensões é terreno fértil para todas as demagogias. Vale a pena recordar duas coisas.
Havendo grande concentração de pobreza entre os pensionistas, nem todos os reformados com pensões baixas são pobres. Pelo contrário, por força da deslegitimação, que durou décadas, dos descontos para a segurança social, muitos deles encontraram formas de poupança que explicam que, hoje, o seu rendimento disponível seja superior. Ao mesmo tempo que muitos reformados acumulam pensões, nomeadamente por terem feito descontos como emigrantes.
Não faz sentido tomar o valor das pensões mínimas como sendo o rendimento dos pensionistas pobres. Com a introdução do completamento solidário para idosos, os pensionistas com rendimentos inferiores a 419 euros têm uma prestação diferencial que perfaz esse montante (sim, é muito pouco). Aliás, hoje, as pensões mínimas não sujeitas a condição de recursos são mecanismos de reprodução de desigualdades – o que justificaria que, por exemplo, se acabasse com a pensão social.
Se o discurso da redistribuição de recursos a favor dos jovens é para ser levado a sério, era bom debater seriamente as pensões (nomeadamente as não contributivas), em lugar de se embarcar numa espiral de demagogia desbragada a que ninguém resiste. Mas a explicação para que isso aconteça é singela: os pensionistas votam, os ‘jovens à rasca’ deixam-se ficar em casa. Enquanto assim for, não esperem muito.
publicado no Expresso de 2 de Abril
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