domingo, março 20, 2011

Se isto é um Presidente

Na nuvem de palavras que reproduzia os termos mais utilizados por Cavaco Silva no discurso de posse, Europa aparecia pouco e era impossível vislumbrar a palavra ‘Euro’. Numa intervenção de quarenta minutos, devastadora para o Governo e com um diagnóstico muito critico do país é incompreensível que assim seja. Por muitos males nacionais que existam, não enquadrar a nossa situação na crise da dívida soberana da zona Euro não ajudará a resolver nenhum dos problemas que enfrentamos. Trata-se, apenas, de mais um contributo para a nacionalização da crise que está em curso e que se encarregará de nos afundar mais no buraco profundo onde já nos encontramos. Cavaco Silva foi mais um na longa lista daqueles que alimentam uma ilusão de soberania, trocando discursos críticos, esquecendo que vivemos já num contexto em que os Governos nacionais, de facto, pouco podem fazer.
O Presidente, que no seu discurso não hesitou em se posicionar no pedestal de autoridade que construiu para si próprio, a certa altura afirmou que “muitos dos nossos agentes políticos não conhecem o país real, só conhecem um país virtual”. Para alguém que sugere que conhece tão bem o país real, não deixa de ser espantoso que desconheça o que se passa no mundo real, onde as economias ocidentais enfrentam a mais brutal crise desde a grande depressão. Este desconhecimento deixa-nos uma certeza, o Presidente que no passado não lia jornais, hoje não lê imprensa internacional e não viaja o suficiente.
Cavaco Silva foi certeiro no apelo a um programa estratégico de médio prazo, sustentado num alargado consenso. Na situação em que nos encontramos, um pacto entre os partidos do arco da governabilidade, envolvendo parceiros sociais, que conferisse estabilidade e previsibilidade a um conjunto de opções, para durar para além do tempo deste Governo e/ou desta legislatura, reforçaria as nossas condições negociais na Europa e contribuiria para resolver alguns dos problemas. Mas, com o antagonismo militante que grassa na política portuguesa, a proposta é utópica. A menos que o Presidente se oferecesse como desbloqueador do processo. Acontece que depois de quarta-feira, é impossível olhar para este Presidente como alguém acima das partes, preocupado em unir. O que temos é um líder de facção, pleno de ressentimento por ter sido escrutinado durante a campanha eleitoral e incapaz de alargar a sua base de apoio. Faz algum sentido apelar a um pacto e começar por desfazer o Governo, que teria de ser certamente um dos protagonistas deste acordo?
Esta contradição acaba, no essencial, por revelar a própria impotência do Presidente. Do discurso de tomada de posse só poderia decorrer uma consequência: a utilização da bomba atómica ou a demissão do Governo. Cavaco ataca, apela a um sobressalto e depois segue como se nada tivesse acontecido. Como se não bastasse tudo o resto – a crise internacional, a Europa paralisada, a economia anémica, um Governo embrenhado na sua própria impotência – ficámos também a saber que não teremos um Presidente à altura dos tempos que enfrentamos.

publicado no Expresso de 12 de Março