A instabilidade endémica
As exportações dão sinais positivos, o comportamento da receita é favorável e a Europa moveu-se ligeiramente, dando assim contornos distintos ao possível resgate financeiro dos países da periferia (ainda que criando novos problemas de legitimidade). Mas enquanto a realidade se vai transformando, há algo que regressa à superfície: a instabilidade política endémica que nos acompanha desde as últimas legislativas.
Revelando que a perturbação não tem necessariamente de ser imposta de fora, o tiro de partida foi dado a semana passada pelo Governo, que se entreteve numa assinalável trapalhada com a maioria parlamentar em torno da redução do número de deputados. Embalada pela onda inusitada, lançada por Jorge Lacão, a oposição não hesitou.
Primeiro foi o PCP, que, dando o dito por não dito, aventou a possibilidade de apresentar uma moção de censura. O objetivo tático era inequívoco: por um lado, condicionava o BE, obrigado a dizer se viabilizava ou não o "governo de direita" do PS; por outro, colocava PSD e CDS entre a espada (apoiar Sócrates) e a parede (derrubar o executivo, só que em nome de "outra política"). Pelo caminho, o PCP ia apalpando o terreno da contestação social, mobilizando a 'rua' e consolidando a sua hegemonia no movimento sindical. Entretanto, o BE, com medo de perder a corrida ao sprint, respondeu, aprazando já a sua própria moção para daqui a um mês.
Sem saber se devia dizer sim ou não, o PSD deu um passo em frente, regressando à rota ziguezagueante. Enquanto Passos Coelho se revela desgastado com a "esquizofrenia política" em torno da instabilidade e quer tempo para construir uma alternativa - que, do que se percebe, passa por fechar as empresas públicas que dão prejuízo (por exemplo as de transportes públicos) -, mas não quer ficar com "os dedos queimados" por andar com o "Governo ao colo", Nogueira Leite afirma que não convém "perpetuar o executivo no poder", mas avisa que "o PSD não tem muito a ganhar com uma moção de censura já". No fim, as palavras sábias de Miguel Relvas: "estamos à espera do momento político". O tal momento político que Paulo Portas vislumbrou sozinho no rescaldo das presidenciais e que acabou por não chegar.
A corrida para ver quem censura primeiro dá um retrato fiel do país político: os partidos envolvidos num jogo tático confrangedor, em que, de um lado, temos um Governo com um programa que não é o seu e, de outro, uma oposição que escolheu o caminho da fulanização anti-Sócrates como forma de esconder as suas vacuidades programáticas.
Ora, em lugar desta tensão tática primária, com o espectro de ingovernabilidade sempre a pairar, o que o conjunto dos partidos nos poderia oferecer era capacidade negocial de facto, institucionalizando uma prática de diálogo que teimamos em não ter. Os ajustamentos que necessariamente teremos de fazer só são exequíveis com um pacto social alargado, que dê sustentabilidade e previsibilidade às opções - à imagem do que aconteceu em Espanha. O que temos é um jogo de póquer, desfasado da realidade, no qual nem Governo, nem oposições se mostram disponíveis para abandonar a rigidez das suas posições de partida.
No fundo, torna-se claro que, se as dificuldades não forem suficientes, temos sempre uma garantia: o sistema político cá estará para somar problemas. Talvez assim se perceba a especificidade do mal português e o crescente desajustamento entre partidos e país.
Texto publicado na edição do Expresso de 12 de fevereiro de 2011
Revelando que a perturbação não tem necessariamente de ser imposta de fora, o tiro de partida foi dado a semana passada pelo Governo, que se entreteve numa assinalável trapalhada com a maioria parlamentar em torno da redução do número de deputados. Embalada pela onda inusitada, lançada por Jorge Lacão, a oposição não hesitou.
Primeiro foi o PCP, que, dando o dito por não dito, aventou a possibilidade de apresentar uma moção de censura. O objetivo tático era inequívoco: por um lado, condicionava o BE, obrigado a dizer se viabilizava ou não o "governo de direita" do PS; por outro, colocava PSD e CDS entre a espada (apoiar Sócrates) e a parede (derrubar o executivo, só que em nome de "outra política"). Pelo caminho, o PCP ia apalpando o terreno da contestação social, mobilizando a 'rua' e consolidando a sua hegemonia no movimento sindical. Entretanto, o BE, com medo de perder a corrida ao sprint, respondeu, aprazando já a sua própria moção para daqui a um mês.
Sem saber se devia dizer sim ou não, o PSD deu um passo em frente, regressando à rota ziguezagueante. Enquanto Passos Coelho se revela desgastado com a "esquizofrenia política" em torno da instabilidade e quer tempo para construir uma alternativa - que, do que se percebe, passa por fechar as empresas públicas que dão prejuízo (por exemplo as de transportes públicos) -, mas não quer ficar com "os dedos queimados" por andar com o "Governo ao colo", Nogueira Leite afirma que não convém "perpetuar o executivo no poder", mas avisa que "o PSD não tem muito a ganhar com uma moção de censura já". No fim, as palavras sábias de Miguel Relvas: "estamos à espera do momento político". O tal momento político que Paulo Portas vislumbrou sozinho no rescaldo das presidenciais e que acabou por não chegar.
A corrida para ver quem censura primeiro dá um retrato fiel do país político: os partidos envolvidos num jogo tático confrangedor, em que, de um lado, temos um Governo com um programa que não é o seu e, de outro, uma oposição que escolheu o caminho da fulanização anti-Sócrates como forma de esconder as suas vacuidades programáticas.
Ora, em lugar desta tensão tática primária, com o espectro de ingovernabilidade sempre a pairar, o que o conjunto dos partidos nos poderia oferecer era capacidade negocial de facto, institucionalizando uma prática de diálogo que teimamos em não ter. Os ajustamentos que necessariamente teremos de fazer só são exequíveis com um pacto social alargado, que dê sustentabilidade e previsibilidade às opções - à imagem do que aconteceu em Espanha. O que temos é um jogo de póquer, desfasado da realidade, no qual nem Governo, nem oposições se mostram disponíveis para abandonar a rigidez das suas posições de partida.
No fundo, torna-se claro que, se as dificuldades não forem suficientes, temos sempre uma garantia: o sistema político cá estará para somar problemas. Talvez assim se perceba a especificidade do mal português e o crescente desajustamento entre partidos e país.
Texto publicado na edição do Expresso de 12 de fevereiro de 2011
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