Olhem que chamo o FMI
Não foram precisas muitas semanas para que a censura final ao Governo deixasse de depender da execução orçamental do primeiro trimestre e passasse a depender do auxílio financeiro internacional. De acordo com vários videntes, esta era a semana em que a profecia tantas vezes anunciada se ia concretizar. Mas não foi desta que se autorrealizou.
Ainda assim, foi difícil para muitos esconderem o entusiasmo com a antecipação do auxílio internacional - como bem revelou Passos Coelho em entrevista ao "DN". No fundo, a ambição do PSD é que a ajuda externa funcione como suporte para um programa político que não tem apoio doméstico. Mas se o taticismo que secundariza o interesse do país não nos deve surpreender, não deixa de ser sintomático que continuemos no essencial presos a uma visão que olha para a maior crise internacional das últimas décadas como um "abalozinho", para citar as palavras memoráveis de Ferreira Leite.
Esta semana, mais uma vez, ficou exposta a natureza surreal do debate político português. É natural que as oposições procurem responsabilizar os governos pelos impactos nacionais da crise, mas em lado nenhum da Europa se assiste a uma discussão que não parta do pressuposto de que estamos perante um ataque ao euro, que começou nas periferias, e que se intensificou a partir do momento em que a Alemanha começou a hesitar nas garantias. No entanto, quem olhe apenas para Portugal, poderia convencer-se que as razões para as nossas dificuldades de financiamento resultam exclusivamente dos nossos erros.
Não há, contudo, prova mais acabada da natureza sistémica da crise do euro do que a diferença entre o que nos foi sendo dito aquando dos sucessivos resgates e o que acabou por suceder. Os apoios foram apresentados como uma forma eficaz de estancar a crise das dívidas soberanas. Está à vista que assim não foi: o efeito-dominó não tem parado. Agora somos nós que estamos sob pressão, mas, se viermos a ser resgatados, a pressão limitar-se-á a deslocar-se em direção a Espanha. Com uma agravante, como os casos grego e irlandês revelam: a diferença entre as taxas de juro nos mercados e dos empréstimos obtidos com a intervenção UE/FMI não é significativa. A Irlanda paga hoje 5,8%, quando Portugal se financiou a 6,7%. O que nos deixa uma certeza: com as políticas de austeridade vigentes na zona euro, o risco de incumprimento é uma realidade quer num país intervencionado quer num que vá mantendo uma ilusão de soberania.
E é num outro tipo de ilusão que vive o Governo desde o início da crise. Às segundas, quartas e sextas, estávamos perante a maior crise internacional dos últimos 80 anos; à terça, não seríamos afetados com particular intensidade; à quinta, a crise já tinha passado; e, ao sábado, já nos bastávamos a nós próprios. Pelo caminho, foi sendo sugerida uma contradição com consequências políticas: as causas da crise são externas, mas temos capacidade doméstica para a enfrentar. Assim, ficou garantida a nacionalização da crise e a penalização acrescida do Governo, cujas manifestações económicas e sociais a direita tem sabido aproveitar. Quando somos de facto impotentes perante o que se está a passar na zona euro, a dramatização em torno do auxílio externo foi apenas mais um erro.
Texto publicado na edição do Expresso de 15 de janeiro de 2011
Ainda assim, foi difícil para muitos esconderem o entusiasmo com a antecipação do auxílio internacional - como bem revelou Passos Coelho em entrevista ao "DN". No fundo, a ambição do PSD é que a ajuda externa funcione como suporte para um programa político que não tem apoio doméstico. Mas se o taticismo que secundariza o interesse do país não nos deve surpreender, não deixa de ser sintomático que continuemos no essencial presos a uma visão que olha para a maior crise internacional das últimas décadas como um "abalozinho", para citar as palavras memoráveis de Ferreira Leite.
Esta semana, mais uma vez, ficou exposta a natureza surreal do debate político português. É natural que as oposições procurem responsabilizar os governos pelos impactos nacionais da crise, mas em lado nenhum da Europa se assiste a uma discussão que não parta do pressuposto de que estamos perante um ataque ao euro, que começou nas periferias, e que se intensificou a partir do momento em que a Alemanha começou a hesitar nas garantias. No entanto, quem olhe apenas para Portugal, poderia convencer-se que as razões para as nossas dificuldades de financiamento resultam exclusivamente dos nossos erros.
Não há, contudo, prova mais acabada da natureza sistémica da crise do euro do que a diferença entre o que nos foi sendo dito aquando dos sucessivos resgates e o que acabou por suceder. Os apoios foram apresentados como uma forma eficaz de estancar a crise das dívidas soberanas. Está à vista que assim não foi: o efeito-dominó não tem parado. Agora somos nós que estamos sob pressão, mas, se viermos a ser resgatados, a pressão limitar-se-á a deslocar-se em direção a Espanha. Com uma agravante, como os casos grego e irlandês revelam: a diferença entre as taxas de juro nos mercados e dos empréstimos obtidos com a intervenção UE/FMI não é significativa. A Irlanda paga hoje 5,8%, quando Portugal se financiou a 6,7%. O que nos deixa uma certeza: com as políticas de austeridade vigentes na zona euro, o risco de incumprimento é uma realidade quer num país intervencionado quer num que vá mantendo uma ilusão de soberania.
E é num outro tipo de ilusão que vive o Governo desde o início da crise. Às segundas, quartas e sextas, estávamos perante a maior crise internacional dos últimos 80 anos; à terça, não seríamos afetados com particular intensidade; à quinta, a crise já tinha passado; e, ao sábado, já nos bastávamos a nós próprios. Pelo caminho, foi sendo sugerida uma contradição com consequências políticas: as causas da crise são externas, mas temos capacidade doméstica para a enfrentar. Assim, ficou garantida a nacionalização da crise e a penalização acrescida do Governo, cujas manifestações económicas e sociais a direita tem sabido aproveitar. Quando somos de facto impotentes perante o que se está a passar na zona euro, a dramatização em torno do auxílio externo foi apenas mais um erro.
Texto publicado na edição do Expresso de 15 de janeiro de 2011
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