sábado, janeiro 15, 2011

Aprender com o caso Lewinsky

As expressões campanha suja e negativa têm-se banalizado. Não por acaso, a entrada do BPN nas presidenciais foi rapidamente classificada por Cavaco Silva como uma "campanha suja", promovida pelos seus adversários com o objetivo de desqualificar o seu carácter.

Será que estamos perante uma campanha suja ou uma campanha negativa? Não me parece. Antes de mais, como bem salientava Estrela Serrano no blogue "Vai e Vem", uma campanha suja é distinta de uma campanha negativa. Enquanto uma campanha suja se baseia em argumentos emocionais, que partem de boatos, uma campanha negativa visa explorar os aspetos mais negativos de um opositor, para 'assustar' o eleitorado. Além de mais, uma campanha suja opera na sombra, sem rostos, já nas campanhas negativas os ataques são diretos.

Ora o que está em causa é, apenas, a resposta inequívoca a algumas questões com dimensão política. Saber se Cavaco Silva quando adquiriu as ações da SLN contratualizou uma opção de recompra e se beneficiou de alguma situação de exceção aquando da venda, por comparação com outros acionistas.

Paradoxalmente, de cada vez que, perante uma questão mais incómoda, um político, em lugar de cortar o mal pela raiz, se escuda no argumento de que está a ser alvo de uma campanha suja, acaba não só por banalizar esse mecanismo de defesa, como avoluma as suspeitas e potencia os efeitos negativos do tema. Desse ponto de vista, há paralelismos entre a gestão política do caso licenciatura de Sócrates e as ações da SLN de Cavaco.

Em ambos os casos estamos perante não-histórias que só se tornaram relevantes porque não foram respondidas de modo claro. Ou seja, não se trata nem de campanhas sujas, nem negativas, mas sim de questões políticas, passíveis de contraditório. Aliás, esta indistinção entre temas que fazem parte do combate político e campanhas sujas só leva a que, quando confrontado com uma verdadeira campanha suja, um político fique como Pedro quando se viu perante o lobo e já ninguém tomou os seus apelos como verdadeiros.

Mas, além da clarificação da ligação entre Cavaco Silva e o BPN, resta saber se há ganhos eleitorais quando se centram as disputas políticas em temas que remetem para o carácter dos candidatos, ao mesmo tempo que secundarizam a diferenciação política. Com as devidas ressalvas, o caso Lewinsky pode bem ser tomado como um exemplo para avaliar dos ganhos eleitorais das campanhas que, em última análise, visam avaliar caracteres.

A esse propósito, num notável artigo, "Monica Lewinsky's Contribution to Political Science", John Zaller chamava a atenção para alguns factos singelos. Desde logo, a popularidade de Clinton não foi afetada pelo escândalo: após um embate negativo, recuperou e acabou por superar a posição inicial. Depois, os eleitores são capazes de discernir além do que é sugerido nos media e os fatores que levam à formação do sentido de voto são relativamente independentes da agenda mediática. Finalmente, a substância política sobrepõe-se à política mediática. O que serve para recordar que, sendo importante que Cavaco esclareça a sua relação com o BPN, do mesmo modo que Sócrates deveria ter esclarecido prontamente a sua relação com a Universidade Independente, o tema será pouco relevante para as escolhas eleitorais no dia 23 de janeiro.

Texto publicado na edição do Expresso de 8 de janeiro de 2011