Fazer implodir as escolas
Despedir funcionários públicos, fechar empresas públicas deficitárias, passes sociais com condição de recursos. Foi fértil em ideias radicais a semana do PSD, mas certamente nenhuma tão explosiva como a de Joaquim Azevedo, ex-secretário de Estado, que, nas jornadas parlamentares, propôs "implodir o Ministério da Educação".
Num contexto em que assistimos à revelação de que, afinal, a iniciativa privada na educação está dependente do financiamento público, a proposta não tem segundas leituras: o que está em causa é questionar o papel social da escola pública, desmantelando o seu "aparelho ideológico". Em Portugal, o liberalismo de juventude partidária tornou-se numa nova doença infantil.
Mas, especulação por especulação, mais do que implodir o Ministério da Educação, talvez fosse mais eficaz acabar com as escolas. A ideia foi sugerida há cerca de um ano por Julian Gough na coluna 'if I ruled the world', na revista "Prospect".
O ensino obrigatório assente num currículo rígido, ministrado em salas fechadas para grupos de crianças que escutam passivamente, foi eficaz como preparação para a vida na sociedade em industrialização, argumenta Gough.
Mas será que este modelo de escola é adequado para formar os empreendedores, os trabalhadores flexíveis e os indivíduos capazes de assumir riscos de que necessitam hoje as nossas sociedades? Claramente não. O essencial do mundo do trabalho já não se organiza nos termos do passado e a escola continua a funcionar com referência a um tempo que já não existe.
Mas se a escola como a conhecemos deve acabar, o que é que deve surgir no seu lugar? Se Julian Gough mandasse no mundo, nada.
A aprendizagem é impossível se uma criança não estiver motivada e concentrada, mas é também uma inevitabilidade quando há motivação e concentração. Quando os mecanismos de autoridade do passado já não estão disponíveis e os instrumentos de aprendizagem não são desafiantes, o mais provável é que a escola não funcione.
Mas se a aprendizagem for feita através dos instrumentos que, de facto, motivam e concentram, a aprendizagem é garantida. Substituamos, portanto, a escola por jogos de computador e atribuamos à indústria do entretenimento a responsabilidade por adequar os conteúdos programáticos aos interesses das crianças.
Quem quer que tenha visto uma criança a resolver dilemas complexos num jogo de estratégia percebe bem que dificilmente se encontraria melhor forma de ensinar História, Literatura ou Matemática. A indústria do entretenimento é o novo sistema educativo.
Mas, estranhamente, enquanto os Ministérios da Educação gerem com mão de ferro escolas e currículos, têm escassa intervenção nos meios que, hoje, de facto, educam. Ora, com maior regulação, as empresas que produzem jogos ver-se-ão obrigadas a contratar os melhores filósofos e matemáticos para enriquecer os seus conteúdos.
Como conclui Gough, a escola é uma chatice porque é muito aborrecida, não porque seja muito desafiante. Logo, o objetivo não passa por tornar a aprendizagem mais fácil, mas, sim, mais difícil. Coloquem um cronómetro em contagem decrescente e façam um aluno perder vidas de cada vez que falhar e vão ver uma criança motivada. Depois, resta acrescentar bons conteúdos. Uma tarefa que pode bem ser feita sem escola, mas que precisa de um Ministério da Educação que lhe confira sentido.
Texto publicado na edição do Expresso de 5 de fevereiro de 2011
Num contexto em que assistimos à revelação de que, afinal, a iniciativa privada na educação está dependente do financiamento público, a proposta não tem segundas leituras: o que está em causa é questionar o papel social da escola pública, desmantelando o seu "aparelho ideológico". Em Portugal, o liberalismo de juventude partidária tornou-se numa nova doença infantil.
Mas, especulação por especulação, mais do que implodir o Ministério da Educação, talvez fosse mais eficaz acabar com as escolas. A ideia foi sugerida há cerca de um ano por Julian Gough na coluna 'if I ruled the world', na revista "Prospect".
O ensino obrigatório assente num currículo rígido, ministrado em salas fechadas para grupos de crianças que escutam passivamente, foi eficaz como preparação para a vida na sociedade em industrialização, argumenta Gough.
Mas será que este modelo de escola é adequado para formar os empreendedores, os trabalhadores flexíveis e os indivíduos capazes de assumir riscos de que necessitam hoje as nossas sociedades? Claramente não. O essencial do mundo do trabalho já não se organiza nos termos do passado e a escola continua a funcionar com referência a um tempo que já não existe.
Mas se a escola como a conhecemos deve acabar, o que é que deve surgir no seu lugar? Se Julian Gough mandasse no mundo, nada.
A aprendizagem é impossível se uma criança não estiver motivada e concentrada, mas é também uma inevitabilidade quando há motivação e concentração. Quando os mecanismos de autoridade do passado já não estão disponíveis e os instrumentos de aprendizagem não são desafiantes, o mais provável é que a escola não funcione.
Mas se a aprendizagem for feita através dos instrumentos que, de facto, motivam e concentram, a aprendizagem é garantida. Substituamos, portanto, a escola por jogos de computador e atribuamos à indústria do entretenimento a responsabilidade por adequar os conteúdos programáticos aos interesses das crianças.
Quem quer que tenha visto uma criança a resolver dilemas complexos num jogo de estratégia percebe bem que dificilmente se encontraria melhor forma de ensinar História, Literatura ou Matemática. A indústria do entretenimento é o novo sistema educativo.
Mas, estranhamente, enquanto os Ministérios da Educação gerem com mão de ferro escolas e currículos, têm escassa intervenção nos meios que, hoje, de facto, educam. Ora, com maior regulação, as empresas que produzem jogos ver-se-ão obrigadas a contratar os melhores filósofos e matemáticos para enriquecer os seus conteúdos.
Como conclui Gough, a escola é uma chatice porque é muito aborrecida, não porque seja muito desafiante. Logo, o objetivo não passa por tornar a aprendizagem mais fácil, mas, sim, mais difícil. Coloquem um cronómetro em contagem decrescente e façam um aluno perder vidas de cada vez que falhar e vão ver uma criança motivada. Depois, resta acrescentar bons conteúdos. Uma tarefa que pode bem ser feita sem escola, mas que precisa de um Ministério da Educação que lhe confira sentido.
Texto publicado na edição do Expresso de 5 de fevereiro de 2011
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