Campanha tem de nascer duas vezes
Na edição da semana passada, a primeira página do Expresso não tinha qualquer referência às presidenciais. Que isso tenha ocorrido a meio da campanha, é um retrato fiel do desinteresse em torno deste ato eleitoral. Para onde quer que nos viremos e independentemente do campo político, o que sentimos é desinteresse e voto pouco convicto nos candidatos.
Do lado da esquerda, não surpreende que assim seja. Naquilo que é uma marca da liderança de José Sócrates no PS, assistiu-se mais uma vez à secundarização de eleições que não as legislativas. Aliás, num facto que deve ser motivo de reflexão, Sócrates venceu duas eleições legislativas e averbou várias derrotas eleitorais entre autárquicas, europeias e presidenciais. Este desinvestimento nas vários atos eleitorais tem sido um mecanismo de fragilização do exercício do poder executivo, cuja legitimidade e energia não radicam apenas nas eleições para o parlamento. A este propósito, o modo como o PS se deixou amarrar a uma candidatura contraditória com o posicionamento ideológico que escolheu nos últimos anos torna-se difícil de compreender. Não por acaso, assiste-se a um sentimento de orfandade política entre muito do eleitorado que votou PS e que se reviu na estratégia reformista seguida na segurança social, saúde e educação (para dar três exemplos de áreas onde, independentemente da avaliação substantiva que possamos fazer, Sócrates e Alegre não podiam estar mais distantes).
Alegre, que nas últimas presidenciais se revelou um candidato competitivo enquanto maverick e corpo estranho ao próprio sistema partidário, desta feita foi incapaz de gerir a evidente contradição da sua base de apoio. Pensar que era possível, numa primeira volta, fazer convergir as narrativas políticas do PS e do BE e mobilizar ambos os eleitorados revelou-se um lirismo sem adesão à realidade. Ao mesmo tempo que serviu para empurrar Alegre para uma campanha sem orientação estratégica. A entrada tardia, mas impetuosa, de alguns ministros na campanha, não só não terá contribuído para compensar o défice de mobilização (que tem de assentar num envolvimento prolongado), como serviu para expor o modo extemporâneo como o PS lidou com o seu candidato.
Se, chegado aqui, ainda não dediquei uma única linha a Cavaco Silva é porque acho difícil compreender que o centro-esquerda tenha desistido de ter uma estratégia eleitoral competitiva para as presidenciais. Como se viu ao longo destas semanas, sem o manto protetor do cargo de Presidente, Cavaco Silva revelou todas as suas fragilidades: a incapacidade de diálogo; o desconforto face ao escrutínio público; um conservadorismo serôdio nos temas de costumes que o afasta dos portugueses de hoje; uma visão paroquial sobre o mundo que o inibe de ter discurso sobre a crise da zona euro; a tentativa sistemática de se colocar acima duma classe política de que faz parte e de que é hoje o membro no ativo há mais tempo; e, finalmente, o modo sonso como lida com os seus próprios atos. Que passados quase dois anos ainda toleremos passivamente a 'inventona' das escutas, diz muito sobre o escrutínio a que Cavaco Silva tem sido sujeito.
No fim destas duas semanas penosas, penso não estar enganado se disser que o sentimento geral é de que esta campanha precisava de nascer duas vezes para mobilizar os portugueses.
Texto publicado na edição do Expresso de 21 de janeiro de 2011
Do lado da esquerda, não surpreende que assim seja. Naquilo que é uma marca da liderança de José Sócrates no PS, assistiu-se mais uma vez à secundarização de eleições que não as legislativas. Aliás, num facto que deve ser motivo de reflexão, Sócrates venceu duas eleições legislativas e averbou várias derrotas eleitorais entre autárquicas, europeias e presidenciais. Este desinvestimento nas vários atos eleitorais tem sido um mecanismo de fragilização do exercício do poder executivo, cuja legitimidade e energia não radicam apenas nas eleições para o parlamento. A este propósito, o modo como o PS se deixou amarrar a uma candidatura contraditória com o posicionamento ideológico que escolheu nos últimos anos torna-se difícil de compreender. Não por acaso, assiste-se a um sentimento de orfandade política entre muito do eleitorado que votou PS e que se reviu na estratégia reformista seguida na segurança social, saúde e educação (para dar três exemplos de áreas onde, independentemente da avaliação substantiva que possamos fazer, Sócrates e Alegre não podiam estar mais distantes).
Alegre, que nas últimas presidenciais se revelou um candidato competitivo enquanto maverick e corpo estranho ao próprio sistema partidário, desta feita foi incapaz de gerir a evidente contradição da sua base de apoio. Pensar que era possível, numa primeira volta, fazer convergir as narrativas políticas do PS e do BE e mobilizar ambos os eleitorados revelou-se um lirismo sem adesão à realidade. Ao mesmo tempo que serviu para empurrar Alegre para uma campanha sem orientação estratégica. A entrada tardia, mas impetuosa, de alguns ministros na campanha, não só não terá contribuído para compensar o défice de mobilização (que tem de assentar num envolvimento prolongado), como serviu para expor o modo extemporâneo como o PS lidou com o seu candidato.
Se, chegado aqui, ainda não dediquei uma única linha a Cavaco Silva é porque acho difícil compreender que o centro-esquerda tenha desistido de ter uma estratégia eleitoral competitiva para as presidenciais. Como se viu ao longo destas semanas, sem o manto protetor do cargo de Presidente, Cavaco Silva revelou todas as suas fragilidades: a incapacidade de diálogo; o desconforto face ao escrutínio público; um conservadorismo serôdio nos temas de costumes que o afasta dos portugueses de hoje; uma visão paroquial sobre o mundo que o inibe de ter discurso sobre a crise da zona euro; a tentativa sistemática de se colocar acima duma classe política de que faz parte e de que é hoje o membro no ativo há mais tempo; e, finalmente, o modo sonso como lida com os seus próprios atos. Que passados quase dois anos ainda toleremos passivamente a 'inventona' das escutas, diz muito sobre o escrutínio a que Cavaco Silva tem sido sujeito.
No fim destas duas semanas penosas, penso não estar enganado se disser que o sentimento geral é de que esta campanha precisava de nascer duas vezes para mobilizar os portugueses.
Texto publicado na edição do Expresso de 21 de janeiro de 2011
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