segunda-feira, janeiro 31, 2011

Campanha tem de nascer duas vezes

Na edição da semana passada, a primeira página do Expresso não tinha qualquer referência às presidenciais. Que isso tenha ocorrido a meio da campanha, é um retrato fiel do desinteresse em torno deste ato eleitoral. Para onde quer que nos viremos e independentemente do campo político, o que sentimos é desinteresse e voto pouco convicto nos candidatos.

Do lado da esquerda, não surpreende que assim seja. Naquilo que é uma marca da liderança de José Sócrates no PS, assistiu-se mais uma vez à secundarização de eleições que não as legislativas. Aliás, num facto que deve ser motivo de reflexão, Sócrates venceu duas eleições legislativas e averbou várias derrotas eleitorais entre autárquicas, europeias e presidenciais. Este desinvestimento nas vários atos eleitorais tem sido um mecanismo de fragilização do exercício do poder executivo, cuja legitimidade e energia não radicam apenas nas eleições para o parlamento. A este propósito, o modo como o PS se deixou amarrar a uma candidatura contraditória com o posicionamento ideológico que escolheu nos últimos anos torna-se difícil de compreender. Não por acaso, assiste-se a um sentimento de orfandade política entre muito do eleitorado que votou PS e que se reviu na estratégia reformista seguida na segurança social, saúde e educação (para dar três exemplos de áreas onde, independentemente da avaliação substantiva que possamos fazer, Sócrates e Alegre não podiam estar mais distantes).

Alegre, que nas últimas presidenciais se revelou um candidato competitivo enquanto maverick e corpo estranho ao próprio sistema partidário, desta feita foi incapaz de gerir a evidente contradição da sua base de apoio. Pensar que era possível, numa primeira volta, fazer convergir as narrativas políticas do PS e do BE e mobilizar ambos os eleitorados revelou-se um lirismo sem adesão à realidade. Ao mesmo tempo que serviu para empurrar Alegre para uma campanha sem orientação estratégica. A entrada tardia, mas impetuosa, de alguns ministros na campanha, não só não terá contribuído para compensar o défice de mobilização (que tem de assentar num envolvimento prolongado), como serviu para expor o modo extemporâneo como o PS lidou com o seu candidato.

Se, chegado aqui, ainda não dediquei uma única linha a Cavaco Silva é porque acho difícil compreender que o centro-esquerda tenha desistido de ter uma estratégia eleitoral competitiva para as presidenciais. Como se viu ao longo destas semanas, sem o manto protetor do cargo de Presidente, Cavaco Silva revelou todas as suas fragilidades: a incapacidade de diálogo; o desconforto face ao escrutínio público; um conservadorismo serôdio nos temas de costumes que o afasta dos portugueses de hoje; uma visão paroquial sobre o mundo que o inibe de ter discurso sobre a crise da zona euro; a tentativa sistemática de se colocar acima duma classe política de que faz parte e de que é hoje o membro no ativo há mais tempo; e, finalmente, o modo sonso como lida com os seus próprios atos. Que passados quase dois anos ainda toleremos passivamente a 'inventona' das escutas, diz muito sobre o escrutínio a que Cavaco Silva tem sido sujeito.

No fim destas duas semanas penosas, penso não estar enganado se disser que o sentimento geral é de que esta campanha precisava de nascer duas vezes para mobilizar os portugueses.

Texto publicado na edição do Expresso de 21 de janeiro de 2011