O diabo está na implementação
O acordo com a Troika foi recebido com entusiasmo pela generalidade dos comentadores. Após um par de semanas em Portugal, técnicos de organismos internacionais haviam conseguido fazer o que os políticos portugueses não têm sido capazes: um diagnóstico claro com um conjunto de medidas concretas para responder aos nossos atrasos estruturais. Não acompanho esta visão. O problema português nunca foi nem a capacidade de diagnóstico, nem a definição de objectivos programáticos. Independentemente da bondade das medidas, o diabo esteve sempre na implementação e monitorização dos compromissos. Ora, a este nível, o contributo do acordo com a Troika é marginal e não vejo motivos para estarmos optimistas em relação aos próximos tempos.
Pense-se em dois exemplos recentes: o encerramento de maternidades e a avaliação dos professores. Ambas as propostas partiam de um diagnóstico claro e procuravam combinar ganhos de eficiência com poupança de recursos públicos. Ora o que aconteceu é conhecido: mesmo um governo de maioria absoluta revelou-se incapaz de formar uma coligação política e social de apoio a estas medidas. Correia de Campos, enquanto encerrava maternidades, foi trucidado por uma combinação negativa de tabloidização dos media com populações devidamente arregimentadas por autarcas e finalmente remodelado após um discurso crítico de Cavaco Silva e uma sucessão de intervenções de Manuel Alegre. Já a reforma de Lurdes Rodrigues gerou enorme contestação nas ruas, mobilizando eleitoralmente os professores, num processo que encontrou o seu estertor numa coligação negativa no parlamento, com todos os partidos da oposição a convergirem na revogação da avaliação.
Se trago estes exemplos é para mostrar que a superação dos nossos défices estruturais depende não de diagnósticos e de propostas, mas da estabilização de coligações políticas e sociais (necessariamente interpartidárias) capazes de resistir à captura do interesse comum por interesses parciais.
O acordo com a Troika dá um contributo positivo: perante o constrangimento financeiro, pura e simplesmente não podemos deixar de implementar as medidas. Mas será suficiente? Não me parece. As condições para concretizar o acordado continuam, no essencial, ausentes.
Após as eleições, teremos um parlamento fragmentado e um primeiro-ministro que iniciará o mandato fragilizado, depois de uma campanha na qual os partidos se têm entretido a perpetuar uma guerrilha táctica com escasso conteúdo estratégico, minando as condições negociais futuras. O problema é que todos serão obrigados a negociar com os parceiros que agora diabolizam. Há semanas, na apresentação do orçamento norte-americano, Obama dizia “não esperar que os detalhes do acordo final se parecessem exatamente com a sua proposta. Isto é uma democracia; e é assim que as coisas funcionam”. Aí está uma frase que deveria ser colada num post-it à frente de todos os líderes partidários, como forma de socialização com uma cultura negocial que não temos e que nos faz bem mais falta do que diagnósticos ou medidas concretas.
publicado no Expresso de 14 de Maio.
Pense-se em dois exemplos recentes: o encerramento de maternidades e a avaliação dos professores. Ambas as propostas partiam de um diagnóstico claro e procuravam combinar ganhos de eficiência com poupança de recursos públicos. Ora o que aconteceu é conhecido: mesmo um governo de maioria absoluta revelou-se incapaz de formar uma coligação política e social de apoio a estas medidas. Correia de Campos, enquanto encerrava maternidades, foi trucidado por uma combinação negativa de tabloidização dos media com populações devidamente arregimentadas por autarcas e finalmente remodelado após um discurso crítico de Cavaco Silva e uma sucessão de intervenções de Manuel Alegre. Já a reforma de Lurdes Rodrigues gerou enorme contestação nas ruas, mobilizando eleitoralmente os professores, num processo que encontrou o seu estertor numa coligação negativa no parlamento, com todos os partidos da oposição a convergirem na revogação da avaliação.
Se trago estes exemplos é para mostrar que a superação dos nossos défices estruturais depende não de diagnósticos e de propostas, mas da estabilização de coligações políticas e sociais (necessariamente interpartidárias) capazes de resistir à captura do interesse comum por interesses parciais.
O acordo com a Troika dá um contributo positivo: perante o constrangimento financeiro, pura e simplesmente não podemos deixar de implementar as medidas. Mas será suficiente? Não me parece. As condições para concretizar o acordado continuam, no essencial, ausentes.
Após as eleições, teremos um parlamento fragmentado e um primeiro-ministro que iniciará o mandato fragilizado, depois de uma campanha na qual os partidos se têm entretido a perpetuar uma guerrilha táctica com escasso conteúdo estratégico, minando as condições negociais futuras. O problema é que todos serão obrigados a negociar com os parceiros que agora diabolizam. Há semanas, na apresentação do orçamento norte-americano, Obama dizia “não esperar que os detalhes do acordo final se parecessem exatamente com a sua proposta. Isto é uma democracia; e é assim que as coisas funcionam”. Aí está uma frase que deveria ser colada num post-it à frente de todos os líderes partidários, como forma de socialização com uma cultura negocial que não temos e que nos faz bem mais falta do que diagnósticos ou medidas concretas.
publicado no Expresso de 14 de Maio.
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