Reformas? não, obrigado
Cavaco Silva deixou-nos as reformas da década; Guterres reformou o país com as pessoas primeiro; Barroso ameaçou reformar, percebeu que o lugar queimava e foi para Bruxelas; Sócrates insiste que até à crise internacional fez reformas profundas; a Troika exige-nos que reformemos o país de alto a baixo; e, finalmente, Passos Coelho, com a impetuosidade própria das juventudes partidárias, promete-nos reformas mais radicais do que as da Troika. A conclusão é clara: em Portugal há um ímpeto reformista difícil de acompanhar. As consequências de tanta reforma é que não têm sido as melhores.
Estamos perante um caso no qual a retórica política corresponde à realidade empírica. O ‘projecto manifesto’ – uma base de dados muito exaustiva sobre política europeia – revela um facto singelo: Portugal é o país europeu que mais altera as suas políticas públicas. Ou seja, o nosso reformismo não encontra paralelo. De cada vez que muda o Governo, mudam as políticas e, arrisco acrescentar, de cada vez que muda o ministro, o mesmo acontece. Ora, pode bem dar-se o caso de estarmos como estamos, não por falta de reformas, mas por termos feito reformas a mais, com fraca estabilização de políticas, pouca cooperação na sua implementação e escassa monitorização de impactos.
É um daqueles casos em que deveríamos ser capazes de retirar lições de outros países. A propósito do pedido de resgate, têm sido feitas várias comparações com o que se pode vir a passar entre nós e o que aconteceu na Argentina há dez anos. Em “The Institutional Foundations of Public Policy in Argentina”, Pablo Spiller e Mariano Tommasi analisam as razões pelas quais a Argentina falhou.
Para os autores, o que levou ao default argentino não foram tanto opções erradas, foi sim a incapacidade de ter políticas estáveis, consistentes, postas em prática de modo adequado e capazes de se ajustarem em tempo útil às alterações nas circunstâncias. Independentemente da marca ideológica das políticas, o que sugerem é que a Argentina tinha um problema com as micro-fundações institucionais.
O retrato que fazem das condições institucionais em falta na Argentina é assustadoramente parecido com Portugal. Lá como cá, não há mecanismos que induzam estratégias de cooperação entre partidos e parceiros sociais e as políticas tendem a ser erráticas, pouco negociadas e com horizontes de curto-prazo, produzindo poucas complementaridades entre áreas de governação. O ponto é importante e tem demasiado a ver com a nossa situação atual, apesar de ausente do debate público em Portugal.
Portugal, mais do que um problema com o conteúdo das várias reformas estruturais que os sucessivos primeiros-ministros reclamam ter feito, tem um problema com os “atributos exteriores” das suas políticas. Infelizmente, não vejo que algo esteja para mudar a este nível. Depois de 6 de Junho não teremos condições institucionais mais robustas, mas teremos certamente mais um conjunto de políticos a anunciar aos quatro-ventos o seu pacote de reformas estruturais. Persistiremos no erro do excesso de reformismo.
publicado no Expresso de 28 de Maio
Estamos perante um caso no qual a retórica política corresponde à realidade empírica. O ‘projecto manifesto’ – uma base de dados muito exaustiva sobre política europeia – revela um facto singelo: Portugal é o país europeu que mais altera as suas políticas públicas. Ou seja, o nosso reformismo não encontra paralelo. De cada vez que muda o Governo, mudam as políticas e, arrisco acrescentar, de cada vez que muda o ministro, o mesmo acontece. Ora, pode bem dar-se o caso de estarmos como estamos, não por falta de reformas, mas por termos feito reformas a mais, com fraca estabilização de políticas, pouca cooperação na sua implementação e escassa monitorização de impactos.
É um daqueles casos em que deveríamos ser capazes de retirar lições de outros países. A propósito do pedido de resgate, têm sido feitas várias comparações com o que se pode vir a passar entre nós e o que aconteceu na Argentina há dez anos. Em “The Institutional Foundations of Public Policy in Argentina”, Pablo Spiller e Mariano Tommasi analisam as razões pelas quais a Argentina falhou.
Para os autores, o que levou ao default argentino não foram tanto opções erradas, foi sim a incapacidade de ter políticas estáveis, consistentes, postas em prática de modo adequado e capazes de se ajustarem em tempo útil às alterações nas circunstâncias. Independentemente da marca ideológica das políticas, o que sugerem é que a Argentina tinha um problema com as micro-fundações institucionais.
O retrato que fazem das condições institucionais em falta na Argentina é assustadoramente parecido com Portugal. Lá como cá, não há mecanismos que induzam estratégias de cooperação entre partidos e parceiros sociais e as políticas tendem a ser erráticas, pouco negociadas e com horizontes de curto-prazo, produzindo poucas complementaridades entre áreas de governação. O ponto é importante e tem demasiado a ver com a nossa situação atual, apesar de ausente do debate público em Portugal.
Portugal, mais do que um problema com o conteúdo das várias reformas estruturais que os sucessivos primeiros-ministros reclamam ter feito, tem um problema com os “atributos exteriores” das suas políticas. Infelizmente, não vejo que algo esteja para mudar a este nível. Depois de 6 de Junho não teremos condições institucionais mais robustas, mas teremos certamente mais um conjunto de políticos a anunciar aos quatro-ventos o seu pacote de reformas estruturais. Persistiremos no erro do excesso de reformismo.
publicado no Expresso de 28 de Maio
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