O fim da silly season
O fim da silly season
Não tarda o país vai a banhos e, ao contrário do que é hábito, este ano não teremos silly season. Terça-feira acabaram duas ilusões e com elas a silly season. Depois de meses de suspensão da realidade, descobriremos que afinal nem a culpa de tudo era de Sócrates, nem o essencial dos nossos problemas irá desaparecer apenas porque dois pares de peritos estrangeiros foram capazes de listar num papel um conjunto de medidas. O mais difícil é o que resta fazer: aplicar um programa com o qual, em abstracto, uma larga maioria aparenta concordar, mas cuja concretização se revelará tão exigente como impopular.
A tomada de posse do novo governo devolveu-nos à realidade. Mas será que aquilo que se sabe do novo elenco governativo anuncia algo de positivo quanto à capacidade de concretização do memorando de entendimento?
No discurso de posse, Passos Coelho prometeu ir por “mares nunca dantes navegados”. Para quem propõe uma dupla ruptura face aos vários governos anteriores, a metáfora faz sentido: o que se anuncia é uma ruptura programática e na orgânica do Estado. Se a mudança de políticas é inteiramente legítima e promove uma necessária clarificação programática entre os partidos portugueses, já o experimentalismo na orgânica ministerial, não apenas introduz ruído como, temo bem, revelar-se-á um obstáculo perigoso à rápida implementação do acordo com a Troika.
A última coisa de que precisávamos num momento de emergência era enveredar pelo caminho de fusão de ministérios, baralhação da orgânica dos serviços e alteração de tutelas que, com manifesto insucesso, os sucessivos governos têm seguido. Em lugar de apostar na continuidade orgânica como forma de ir mais longe na ruptura programática, Passos Coelho escolheu uma mistura explosiva de radicalismo programático com perturbação institucional. É uma receita propícia ao desastre e que faz com que o falhanço se possa transformar de espectro em realidade.
Entre várias opções cuja racionalidade é difícil descortinar, a fusão no Ministério da Economia de três pastas gera enorme perplexidade. Só um misto de irresponsabilidade e inconsciência pode explicar a opção por juntar obras públicas, trabalho, emprego, transportes e economia e entregar todas estas competências a alguém que não tem nem experiência política, nem qualquer tipo de socialização primária com a administração pública. Há alguma lógica que explique esta opção ou tratou-se apenas de uma cedência à ideia populista de que há políticos a mais e que os políticos ganham demasiado? Uma coisa é certa, poupanças marginais em salários vão traduzir-se em perdas significativas de produtividade e eficiência. Independentemente das qualidades académicas do titular das pastas, há um risco demasiado óbvio: um ministro paralisado pela carga administrativa e incapaz de lidar com os vários grupos de pressão que pululam nestas áreas. Se o objectivo fosse falharmos, não me ocorreria melhor opção.
publicado no Expresso de 25 de Junho
Não tarda o país vai a banhos e, ao contrário do que é hábito, este ano não teremos silly season. Terça-feira acabaram duas ilusões e com elas a silly season. Depois de meses de suspensão da realidade, descobriremos que afinal nem a culpa de tudo era de Sócrates, nem o essencial dos nossos problemas irá desaparecer apenas porque dois pares de peritos estrangeiros foram capazes de listar num papel um conjunto de medidas. O mais difícil é o que resta fazer: aplicar um programa com o qual, em abstracto, uma larga maioria aparenta concordar, mas cuja concretização se revelará tão exigente como impopular.
A tomada de posse do novo governo devolveu-nos à realidade. Mas será que aquilo que se sabe do novo elenco governativo anuncia algo de positivo quanto à capacidade de concretização do memorando de entendimento?
No discurso de posse, Passos Coelho prometeu ir por “mares nunca dantes navegados”. Para quem propõe uma dupla ruptura face aos vários governos anteriores, a metáfora faz sentido: o que se anuncia é uma ruptura programática e na orgânica do Estado. Se a mudança de políticas é inteiramente legítima e promove uma necessária clarificação programática entre os partidos portugueses, já o experimentalismo na orgânica ministerial, não apenas introduz ruído como, temo bem, revelar-se-á um obstáculo perigoso à rápida implementação do acordo com a Troika.
A última coisa de que precisávamos num momento de emergência era enveredar pelo caminho de fusão de ministérios, baralhação da orgânica dos serviços e alteração de tutelas que, com manifesto insucesso, os sucessivos governos têm seguido. Em lugar de apostar na continuidade orgânica como forma de ir mais longe na ruptura programática, Passos Coelho escolheu uma mistura explosiva de radicalismo programático com perturbação institucional. É uma receita propícia ao desastre e que faz com que o falhanço se possa transformar de espectro em realidade.
Entre várias opções cuja racionalidade é difícil descortinar, a fusão no Ministério da Economia de três pastas gera enorme perplexidade. Só um misto de irresponsabilidade e inconsciência pode explicar a opção por juntar obras públicas, trabalho, emprego, transportes e economia e entregar todas estas competências a alguém que não tem nem experiência política, nem qualquer tipo de socialização primária com a administração pública. Há alguma lógica que explique esta opção ou tratou-se apenas de uma cedência à ideia populista de que há políticos a mais e que os políticos ganham demasiado? Uma coisa é certa, poupanças marginais em salários vão traduzir-se em perdas significativas de produtividade e eficiência. Independentemente das qualidades académicas do titular das pastas, há um risco demasiado óbvio: um ministro paralisado pela carga administrativa e incapaz de lidar com os vários grupos de pressão que pululam nestas áreas. Se o objectivo fosse falharmos, não me ocorreria melhor opção.
publicado no Expresso de 25 de Junho
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