A mulher está doente
Com a muito provável eleição de António José Seguro para líder do PS, os dois principais partidos portugueses passam a ter líderes com percursos académicos e políticos decalcados. Dirigentes de juventudes partidárias no mesmo período, emergem como líderes quase em simultâneo, através de dinâmicas análogas. Independentemente das qualidades pessoais de Passos e Seguro, não podemos estar perante uma coincidência. Esta convergência do tipo de lideranças partidárias diz-nos, aliás, mais sobre a natureza dos partidos hoje do que sobre quem ocupa os lugares.
Com o fim do período carismático que caracterizou o primeiro par de décadas da nossa democracia, a base de recrutamento das elites partidárias mudou. Onde antes os políticos tinham percursos autónomos face aos partidos, com histórias de vida com espessura, hoje as suas trajetórias tendem a ser simétricas, com as mesmas experiências, independentemente do partido a que pertencem. Mesmo que PSD e PS tenham agora linhas programáticas com diferenças mais significativas, as cúpulas partidárias partilham um conjunto de características que as aproxima.
No que não pode deixar de ser visto como um empobrecimento da vida política portuguesa, as disputas internas aos partidos hoje replicam com contornos assustadoramente semelhantes as disputas das juventudes partidárias de há duas décadas. Se quisermos perceber o que se passa hoje no PSD ou no PS, basta tentar perceber o que aproximou ou afastou os mesmo protagonistas nas jotas.
Esta hegemonia da lógica das juventudes partidárias tem efeitos perversos.
Transporta para os partidos um exercício de poder de natureza quase exclusivamente táctica, onde a realidade que persiste fora do circuito fechado das concelhias é relativamente irrelevante. O que conta são os alinhamentos e os realinhamentos e a cenarização, que precisam de ser compensados por uma ilusão de distinção estratégica – que tende a traduzir-se em voluntarismo ideológico, polvilhado por uma mão-cheia de “propostas concretas” e muito “sentido de responsabilidade”.
Consolida mecanismos de formação de poder interno com exigências que afastam muita gente da vida partidária. Num revelador perfil de Marco António Costa, vice-Presidente do PSD, no JN, contava-se que aquele teria sido determinante para a eleição de Menezes quando se fechou numa sala durante cinco horas com o autarca de Gaia e, enquanto este telefonava a figuras de relevo no aparelho do PSD, ia-lhe dando algumas dicas pessoais: “o pai morreu na semana passada, a filha vai estudar para Lisboa, a mulher está doente...”. Não acredito que exista muita gente disponível para percorrer estes momentos “afectivos” para chegar a líder de um partido. Se, como aparenta ser verdade, estas competências são cada vez mais indispensáveis, quem está doente não é a mulher do presidente de uma pequena concelhia, são os partidos políticos que se aproximam perigosamente dos cuidados intensivos.
publicado no Expresso de 18 de Junho
Com o fim do período carismático que caracterizou o primeiro par de décadas da nossa democracia, a base de recrutamento das elites partidárias mudou. Onde antes os políticos tinham percursos autónomos face aos partidos, com histórias de vida com espessura, hoje as suas trajetórias tendem a ser simétricas, com as mesmas experiências, independentemente do partido a que pertencem. Mesmo que PSD e PS tenham agora linhas programáticas com diferenças mais significativas, as cúpulas partidárias partilham um conjunto de características que as aproxima.
No que não pode deixar de ser visto como um empobrecimento da vida política portuguesa, as disputas internas aos partidos hoje replicam com contornos assustadoramente semelhantes as disputas das juventudes partidárias de há duas décadas. Se quisermos perceber o que se passa hoje no PSD ou no PS, basta tentar perceber o que aproximou ou afastou os mesmo protagonistas nas jotas.
Esta hegemonia da lógica das juventudes partidárias tem efeitos perversos.
Transporta para os partidos um exercício de poder de natureza quase exclusivamente táctica, onde a realidade que persiste fora do circuito fechado das concelhias é relativamente irrelevante. O que conta são os alinhamentos e os realinhamentos e a cenarização, que precisam de ser compensados por uma ilusão de distinção estratégica – que tende a traduzir-se em voluntarismo ideológico, polvilhado por uma mão-cheia de “propostas concretas” e muito “sentido de responsabilidade”.
Consolida mecanismos de formação de poder interno com exigências que afastam muita gente da vida partidária. Num revelador perfil de Marco António Costa, vice-Presidente do PSD, no JN, contava-se que aquele teria sido determinante para a eleição de Menezes quando se fechou numa sala durante cinco horas com o autarca de Gaia e, enquanto este telefonava a figuras de relevo no aparelho do PSD, ia-lhe dando algumas dicas pessoais: “o pai morreu na semana passada, a filha vai estudar para Lisboa, a mulher está doente...”. Não acredito que exista muita gente disponível para percorrer estes momentos “afectivos” para chegar a líder de um partido. Se, como aparenta ser verdade, estas competências são cada vez mais indispensáveis, quem está doente não é a mulher do presidente de uma pequena concelhia, são os partidos políticos que se aproximam perigosamente dos cuidados intensivos.
publicado no Expresso de 18 de Junho
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