Um ciclo novo
As eleições de hoje no PS têm diferenças substantivas por relação a todas as outras escolhas disputadas para secretário-geral. Infelizmente, não auguram nada de particularmente mobilizador.
Desde logo, esta é a primeira vez que a escolha é feita entre candidatos com percursos exclusivamente político-partidários. Nas eleições entre Constâncio e Gama, Guterres e Sampaio e Sócrates e Alegre, pelo menos um dos candidatos tinha uma história de vida com autonomia face ao partido. Poder-se-á dizer que estamos perante uma convergência com as democracias mais consolidadas, onde os dirigentes partidários são políticos profissionais, com carreiras nos aparelhos. É de facto assim. Só que os partidos portugueses não têm nem o enraizamento social, nem o pluralismo interno que tornam sustentável o afunilamento das condições de recrutamento dos seus dirigentes. Termos na liderança dos dois principais partidos ex-líderes de juventudes partidárias é um factor de empobrecimento que acentuará o afastamento entre eleitores e partidos. A afinidade nas trajectórias dos líderes do PSD e do PS não é uma questão que possa ser desvalorizada.
Mas a novidade mais significativa destas eleições internas é a escassez de clivagens programáticas. Em todos as outras eleições, a disputa organizava-se em torno de leituras ideológicas distintas. Desta feita, as eleições para o PS são um confronto de personalidades e não de sensibilidades. De um lado, temos os afectos, de outro a capacidade retórica. A distinção baseada nestas categorias só pode trazer problemas para o futuro. É bem mais fácil promover sínteses programáticas do que superar a crispação entre personalidades. A este propósito, o facto do vencedor anunciado, Seguro, ter optado por apresentar uma moção indistinta, remetendo todas as escolhas para um colegialismo basista e para um “laboratório de ideias” não foi um bom contributo.
Quando o que organiza as escolhas são distinções programáticas, a capacidade do vencedor promover uma síntese, que incorpore o legado do derrotado, é maior. Não por acaso, foi o que aconteceu no passado: Guterres integrou o sampaísmo, o mesmo tendo acontecido com Sócrates em relação a Alegre. Ora, não se vislumbrando nenhuma distinção programática relevante, não se vê que síntese poderá ocorrer. Tanto mais que, à imagem do que acontece no PSD, a organização de tendências no PS decorre, cada vez mais, da cristalização de animosidades pessoais, muitas delas com génese em questiúnculas que vêm da juventude partidária.
Quer no PS, quer no PSD, as novas lideranças assentam em mecanismos de poder interno relativamente fechados. Por isso mesmo terão todas as condições para se perpetuarem no poder e estamos em face de um ciclo relativamente longo – com estabilidade directiva também na oposição. Mas se podemos esperar alguma previsibilidade, devemos também assistir a uma crescente degradação na imagem dos partidos na sociedade. É verdade que estamos perante uma tendência europeia de deterioração da política. Só que em Portugal tenderá a ser mais intensa.
publicado no Expresso de 23 de Julho
Desde logo, esta é a primeira vez que a escolha é feita entre candidatos com percursos exclusivamente político-partidários. Nas eleições entre Constâncio e Gama, Guterres e Sampaio e Sócrates e Alegre, pelo menos um dos candidatos tinha uma história de vida com autonomia face ao partido. Poder-se-á dizer que estamos perante uma convergência com as democracias mais consolidadas, onde os dirigentes partidários são políticos profissionais, com carreiras nos aparelhos. É de facto assim. Só que os partidos portugueses não têm nem o enraizamento social, nem o pluralismo interno que tornam sustentável o afunilamento das condições de recrutamento dos seus dirigentes. Termos na liderança dos dois principais partidos ex-líderes de juventudes partidárias é um factor de empobrecimento que acentuará o afastamento entre eleitores e partidos. A afinidade nas trajectórias dos líderes do PSD e do PS não é uma questão que possa ser desvalorizada.
Mas a novidade mais significativa destas eleições internas é a escassez de clivagens programáticas. Em todos as outras eleições, a disputa organizava-se em torno de leituras ideológicas distintas. Desta feita, as eleições para o PS são um confronto de personalidades e não de sensibilidades. De um lado, temos os afectos, de outro a capacidade retórica. A distinção baseada nestas categorias só pode trazer problemas para o futuro. É bem mais fácil promover sínteses programáticas do que superar a crispação entre personalidades. A este propósito, o facto do vencedor anunciado, Seguro, ter optado por apresentar uma moção indistinta, remetendo todas as escolhas para um colegialismo basista e para um “laboratório de ideias” não foi um bom contributo.
Quando o que organiza as escolhas são distinções programáticas, a capacidade do vencedor promover uma síntese, que incorpore o legado do derrotado, é maior. Não por acaso, foi o que aconteceu no passado: Guterres integrou o sampaísmo, o mesmo tendo acontecido com Sócrates em relação a Alegre. Ora, não se vislumbrando nenhuma distinção programática relevante, não se vê que síntese poderá ocorrer. Tanto mais que, à imagem do que acontece no PSD, a organização de tendências no PS decorre, cada vez mais, da cristalização de animosidades pessoais, muitas delas com génese em questiúnculas que vêm da juventude partidária.
Quer no PS, quer no PSD, as novas lideranças assentam em mecanismos de poder interno relativamente fechados. Por isso mesmo terão todas as condições para se perpetuarem no poder e estamos em face de um ciclo relativamente longo – com estabilidade directiva também na oposição. Mas se podemos esperar alguma previsibilidade, devemos também assistir a uma crescente degradação na imagem dos partidos na sociedade. É verdade que estamos perante uma tendência europeia de deterioração da política. Só que em Portugal tenderá a ser mais intensa.
publicado no Expresso de 23 de Julho
<< Home