A política como mentira
Um par de semanas bastou para o Governo substituir a verdade pela mentira (aumento de impostos) e o voluntarismo ideológico por um choque com a realidade (o corte no rating). Era inevitável que assim fosse, não se esperava era que acontecesse tão depressa.
Hoje, os governos das economias da periferia têm uma relevância marginal. A única “promessa” que lhes resta é dizer que desconhecem o que terão de fazer e que, sem solução para a crise das dívidas soberanas, serão obrigados a enveredar por uma espiral insaciável de austeridade. A um pacote de austeridade seguir-se-á rapidamente um outro que servirá para expor a insuficiência dos cortes na despesa e dos aumentos nos impostos do pacote anterior. Se nada mudar na Europa, um programa de ajustamento é um factor de risco e não um mecanismo para superar bloqueios estruturais.
Acontece que esta não era a verdade proclamada há três meses. Então, os problemas portugueses resumiam-se a dois aspectos: tínhamos um governo com um problema de credibilidade, liderado por um primeiro-ministro mentiroso, e havíamos deixado de ser bons alunos, ao escolher uma política orçamental irresponsável. O novo Governo – com a opção por medidas mais duras do que as da troika – contentaria os mercados e, por arte mágica, transformaria a realidade. Nada disso aconteceu, nem se vê que vá acontecer.
Em lugar do mar de rosas anunciado, temos apenas uma inversão radical do discurso político e da opinião publicada. Onde antes se lia que Sócrates era um irresponsável e que não se podia criticar os mercados e as agências de rating, descobrimos agora uma poderosa crise europeia, que impede que Portugal saia do buraco financeiro em que se encontra. Ficámos ainda a saber que as agências de rating são casos de polícia a necessitar de resposta europeia. Chega a ser penoso ler e ouvir hoje os arautos da verdade de ontem.
Até porque a verdade de ontem partia do princípio inegociável de que não eram necessários aumentos de impostos e que tudo se resolvia do lado da despesa (ou melhor, com cortes nos miríficos consumos intermédios) e que uma hipotética subida de impostos serviria apenas para aumentos das pensões mínimas – uma compensação que passaria pelos impostos sobre o consumo e nunca sobre os rendimentos. É escusado confrontar o que foi dito com o que foi feito.
Mas se o tema é a verdade, ela é dura: os impostos vão continuar a aumentar (desde logo o IVA) e os cortes vão continuar a incidir nos salários e prestações sociais (onde se concentra o essencial da despesa pública). A impotência do Governo português a isso obrigará. Nisso, este Governo não difere muito do anterior. Enquanto se demitir de procurar formar uma coligação política que envolva os países da periferia da zona Euro para enfrentar os problemas europeus, o Governo está condenado à irrelevância. Até lá, o mundo continuará a mudar a um ritmo acelerado e o país será obrigado a acompanhar as mudanças do mundo. Já agora, uma profecia: não deve faltar muito para Passos Coelho também passar a ser considerado mentiroso.
publicado no Expresso de 9 de Julho.
Hoje, os governos das economias da periferia têm uma relevância marginal. A única “promessa” que lhes resta é dizer que desconhecem o que terão de fazer e que, sem solução para a crise das dívidas soberanas, serão obrigados a enveredar por uma espiral insaciável de austeridade. A um pacote de austeridade seguir-se-á rapidamente um outro que servirá para expor a insuficiência dos cortes na despesa e dos aumentos nos impostos do pacote anterior. Se nada mudar na Europa, um programa de ajustamento é um factor de risco e não um mecanismo para superar bloqueios estruturais.
Acontece que esta não era a verdade proclamada há três meses. Então, os problemas portugueses resumiam-se a dois aspectos: tínhamos um governo com um problema de credibilidade, liderado por um primeiro-ministro mentiroso, e havíamos deixado de ser bons alunos, ao escolher uma política orçamental irresponsável. O novo Governo – com a opção por medidas mais duras do que as da troika – contentaria os mercados e, por arte mágica, transformaria a realidade. Nada disso aconteceu, nem se vê que vá acontecer.
Em lugar do mar de rosas anunciado, temos apenas uma inversão radical do discurso político e da opinião publicada. Onde antes se lia que Sócrates era um irresponsável e que não se podia criticar os mercados e as agências de rating, descobrimos agora uma poderosa crise europeia, que impede que Portugal saia do buraco financeiro em que se encontra. Ficámos ainda a saber que as agências de rating são casos de polícia a necessitar de resposta europeia. Chega a ser penoso ler e ouvir hoje os arautos da verdade de ontem.
Até porque a verdade de ontem partia do princípio inegociável de que não eram necessários aumentos de impostos e que tudo se resolvia do lado da despesa (ou melhor, com cortes nos miríficos consumos intermédios) e que uma hipotética subida de impostos serviria apenas para aumentos das pensões mínimas – uma compensação que passaria pelos impostos sobre o consumo e nunca sobre os rendimentos. É escusado confrontar o que foi dito com o que foi feito.
Mas se o tema é a verdade, ela é dura: os impostos vão continuar a aumentar (desde logo o IVA) e os cortes vão continuar a incidir nos salários e prestações sociais (onde se concentra o essencial da despesa pública). A impotência do Governo português a isso obrigará. Nisso, este Governo não difere muito do anterior. Enquanto se demitir de procurar formar uma coligação política que envolva os países da periferia da zona Euro para enfrentar os problemas europeus, o Governo está condenado à irrelevância. Até lá, o mundo continuará a mudar a um ritmo acelerado e o país será obrigado a acompanhar as mudanças do mundo. Já agora, uma profecia: não deve faltar muito para Passos Coelho também passar a ser considerado mentiroso.
publicado no Expresso de 9 de Julho.
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