Ainda agora começou
Que tenham sido precisas apenas semanas para o Governo deitar fora as suas promessas mais emblemáticas é sinal de que Passos Coelho não estava preparado para governar e que o que era prometido não era para ser levado a sério. Só assim se explica que, após a subida de impostos, o Governo se tenha entretido na criação de novas estruturas orgânicas e a repartir o conselho de administração da Caixa por uma coligação das sensibilidades políticas da coligação PSD/CDS/Belém que nos governa. Para quem se propunha diminuir a despesa e pôr fim à partidarização do Estado, estamos conversados.
A verdade, em política, não é uma categoria abstracta; pelo contrário, deve ser avaliada com base nas promessas que são feitas. Imaginemos se, por absurdo, a proposta de Passos Coelho para criar um Conselho Superior da República, presidido por um ex-Presidente da República, com vista a promover a audição prévia dos nomeados para funções públicas, tem sido levada avante. O que teria esse conselho a dizer da nova administração da Caixa?
Dir-me-ão que não é novidade a partidarização da Caixa. É um facto, mas a repetição de um erro não seve para o justificar e no passado existia, pelo menos, a preocupação em garantir níveis mínimos de pluralismo. Não por acaso, o presidente nomeado pelo anterior executivo era um ex-ministro de Cavaco Silva. Desta feita temos o número dois do Conselho Nacional do PSD como vice-presidente (Nogueira Leite); um ex-presidente do PSD na assembleia geral (Rui Machete, aliás, ex-presidente do conselho superior da SLN, a sociedade que detinha o BPN), a quem se juntam vários ex-governantes do PSD/CDS.
Para além da ocupação partidária, chocam também as contradições e as promiscuidades. Por exemplo o CDS, que há um par de meses fazia circular um power-point onde se mostrava indignado com o vencimento dos gestores públicos, comparando-os com o salário de Merkel, não se inibiu de colocar um representante na administração. Espera-se agora que este aja em conformidade e que veja o salário indexado à da chanceler alemã (que é cerca de metade) e que defenda também uma redução salarial para os seus colegas de administração. Já Pedro Rebelo de Sousa, também nomeado administrador, há pouco tempo dizia não compreender “como é que o sócio de uma sociedade de advogados pode ser administrador de uma empresa que é sua cliente”. Rebelo de Sousa é, a crer no Público, advogado da Compal/Sumol, uma empresa detida em 21% pela Caixa e sobre a qual corre um processo crime de natureza fiscal, envolvendo as duas empresas.
Pensando bem, o despautério que caracterizou a escolha da nova administração da Caixa faz sentido. Passos Coelho nunca escondeu a vontade de privatizar o banco público. No fundo, já começou a fazê-lo. Mesmo para quem defenda um banco de capitais nacionais, que seja um referencial estabilizador do sistema financeiro e instrumento de prossecução do interesse público, torna-se muito difícil defender a sua não-privatização perante espetáculos destes. Se calhar, o objectivo é mesmo esse: inviabilizar a defesa de uma Caixa pública.
publicado no Expresso de 30 de Julho
A verdade, em política, não é uma categoria abstracta; pelo contrário, deve ser avaliada com base nas promessas que são feitas. Imaginemos se, por absurdo, a proposta de Passos Coelho para criar um Conselho Superior da República, presidido por um ex-Presidente da República, com vista a promover a audição prévia dos nomeados para funções públicas, tem sido levada avante. O que teria esse conselho a dizer da nova administração da Caixa?
Dir-me-ão que não é novidade a partidarização da Caixa. É um facto, mas a repetição de um erro não seve para o justificar e no passado existia, pelo menos, a preocupação em garantir níveis mínimos de pluralismo. Não por acaso, o presidente nomeado pelo anterior executivo era um ex-ministro de Cavaco Silva. Desta feita temos o número dois do Conselho Nacional do PSD como vice-presidente (Nogueira Leite); um ex-presidente do PSD na assembleia geral (Rui Machete, aliás, ex-presidente do conselho superior da SLN, a sociedade que detinha o BPN), a quem se juntam vários ex-governantes do PSD/CDS.
Para além da ocupação partidária, chocam também as contradições e as promiscuidades. Por exemplo o CDS, que há um par de meses fazia circular um power-point onde se mostrava indignado com o vencimento dos gestores públicos, comparando-os com o salário de Merkel, não se inibiu de colocar um representante na administração. Espera-se agora que este aja em conformidade e que veja o salário indexado à da chanceler alemã (que é cerca de metade) e que defenda também uma redução salarial para os seus colegas de administração. Já Pedro Rebelo de Sousa, também nomeado administrador, há pouco tempo dizia não compreender “como é que o sócio de uma sociedade de advogados pode ser administrador de uma empresa que é sua cliente”. Rebelo de Sousa é, a crer no Público, advogado da Compal/Sumol, uma empresa detida em 21% pela Caixa e sobre a qual corre um processo crime de natureza fiscal, envolvendo as duas empresas.
Pensando bem, o despautério que caracterizou a escolha da nova administração da Caixa faz sentido. Passos Coelho nunca escondeu a vontade de privatizar o banco público. No fundo, já começou a fazê-lo. Mesmo para quem defenda um banco de capitais nacionais, que seja um referencial estabilizador do sistema financeiro e instrumento de prossecução do interesse público, torna-se muito difícil defender a sua não-privatização perante espetáculos destes. Se calhar, o objectivo é mesmo esse: inviabilizar a defesa de uma Caixa pública.
publicado no Expresso de 30 de Julho
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