O voyeurismo e a transparência
Numa decisão que tem tanto de pueril como de populista, o Governo achou por bem afixar num site, nomes, idades e remunerações de todos os membros dos gabinetes ministeriais. É uma espécie de versão revisitada e sempre mais rasteira das declarações que os membros do Governo têm de depositar no Tribunal Constitucional com rendimentos e bens e que só têm servido para serem coscuvilhadas pelos media. Até hoje, o que se ganhou com estas declarações foram peças jornalísticas onde ficámos a saber que carro tinha o Ministro A, quantos andares tem e onde vive o secretário de estado B e quantos prédios herdou em compropriedade o Ministro C. O que se perdeu foi o direito de qualquer cidadão, mesmo que vá exercer cargos públicos, a manter reserva quanto àquilo que tem.
Com o novo portal da “transparência” descobrimos que os governantes têm gabinetes, com chefes de gabinete, adjuntos, secretárias e motoristas. Ficámos a saber, por exemplo, o nome dos motoristas e que têm um ordenado base de pouco mais de 500 euros. No fundo, descobrimos o óbvio: a atividade política implica assessoria e esta é paga. Claro que também se descobriu que há excessos: o super-Álvaro tem uma super-lata, o que faz com que tenha uma super-assessora de imprensa e uma super-chefe de gabinete, ambas com super-ordenados, o que só serve para provar a aberração orgânica que é o super-ministério da economia. Em todo o caso, os excessos seriam sempre apuráveis através do Diário da República.
A transparência tem-se tornado uma força avassaladora, mas só uma sociedade com níveis muito baixos de confiança vive obcecada com a transparência. Contudo, como lembrava Manuela Ferreira Leite no Expresso da semana passada, a propósito do portal das nomeações, “não estamos perante um processo de transparência, mas apenas de banal ‘coscuvilhice’”. O problema é que este portal gerador de voyeurismo tem consequências: não está longe o dia em que só estarão disponíveis para exercer funções governativas os boys e as girls, que de outro modo não singrariam e que por isso toleram esta devassa, apresentada como escrutínio público.
Não menos preocupante é o facto desta “transparência” funcionar como uma cortina de fumo, permitindo enorme opacidade nas esferas nas quais, de facto, o interesse público se encontra capturado por lógicas privadas. Enquanto nos entretemos com os salários dos motoristas, o país prepara-se para levar a cabo uma fúria privatizadora, imposta desde fora e extremada pelo voluntarismo ideológico do Governo. Sem que se vislumbre qualquer interesse estratégico na alienação do sector das águas, dos CTT ou da TAP, vamos privatizar em força e a toda a velocidade, inclusive com vendas diretas. Ora, neste domínio é que era necessária transparência, como bem explicou o Presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção, Guilherme d’Oliveira Martins, em entrevista ao Público. Mas nada como cedermos à demagogia e preocuparmo-nos por os ministros terem motoristas, secretárias e assessores.
publicado no Expresso de 13 de Agosto
Com o novo portal da “transparência” descobrimos que os governantes têm gabinetes, com chefes de gabinete, adjuntos, secretárias e motoristas. Ficámos a saber, por exemplo, o nome dos motoristas e que têm um ordenado base de pouco mais de 500 euros. No fundo, descobrimos o óbvio: a atividade política implica assessoria e esta é paga. Claro que também se descobriu que há excessos: o super-Álvaro tem uma super-lata, o que faz com que tenha uma super-assessora de imprensa e uma super-chefe de gabinete, ambas com super-ordenados, o que só serve para provar a aberração orgânica que é o super-ministério da economia. Em todo o caso, os excessos seriam sempre apuráveis através do Diário da República.
A transparência tem-se tornado uma força avassaladora, mas só uma sociedade com níveis muito baixos de confiança vive obcecada com a transparência. Contudo, como lembrava Manuela Ferreira Leite no Expresso da semana passada, a propósito do portal das nomeações, “não estamos perante um processo de transparência, mas apenas de banal ‘coscuvilhice’”. O problema é que este portal gerador de voyeurismo tem consequências: não está longe o dia em que só estarão disponíveis para exercer funções governativas os boys e as girls, que de outro modo não singrariam e que por isso toleram esta devassa, apresentada como escrutínio público.
Não menos preocupante é o facto desta “transparência” funcionar como uma cortina de fumo, permitindo enorme opacidade nas esferas nas quais, de facto, o interesse público se encontra capturado por lógicas privadas. Enquanto nos entretemos com os salários dos motoristas, o país prepara-se para levar a cabo uma fúria privatizadora, imposta desde fora e extremada pelo voluntarismo ideológico do Governo. Sem que se vislumbre qualquer interesse estratégico na alienação do sector das águas, dos CTT ou da TAP, vamos privatizar em força e a toda a velocidade, inclusive com vendas diretas. Ora, neste domínio é que era necessária transparência, como bem explicou o Presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção, Guilherme d’Oliveira Martins, em entrevista ao Público. Mas nada como cedermos à demagogia e preocuparmo-nos por os ministros terem motoristas, secretárias e assessores.
publicado no Expresso de 13 de Agosto
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